Tia Augusta era porreta. Não que enfrentasse
tudo de modo destemido, até porque sabia que as pancadas, quando pegavam em
cheio, chegavam carregadas de dor. No entanto, não era de sublocar pendengas,
mesmo as que lhe chegavam por conta de amizades duvidosas ou mal escolhidas.
Ela foi a primeira a chegar
aqui, quando a nova capital do país não passava de um amontado de obras neste
barro vermelho, que, há alguns dias, descobri ser por causa de tanta hematita.
Após quase dois anos de muita luta, titia trouxe a mãe e a única irmã, que,
naquela época, não passava de uma menina de oito anos.
Mesmo diante das dificuldades,
aquele reencontro trouxe alento para aquelas três mulheres. Como aprendi com
tia Augusta, quando a dor é dividida, o calvário é menor. E foi assim que elas
sobreviveram, apesar dos despejos, apesar das agruras que se multiplicavam que
nem bactérias, das promessas não cumpridas, das mentiras escancaradas, das
mazelas agravadas a partir de 1964.
Olhando para trás, parece que tia Augusta não teve tempo de
viver a própria vida. Preocupada com a manutenção da família, não me lembro de
tê-la visto passar um batom ou um perfume. Se teve amores, nunca descobri. O
certo é que fez o que foi possível para dar o conforto que vovó nunca tivera,
assim como lutou que nem leoa para que minha mãe tivesse uma carreira.
— Cícera, você vai estudar. Não te quero ver
buchuda com a barriga no tanque nem no fogão.
Mamãe, que sempre teve a irmã como segunda mãe, parece
que seguiu os conselhos à risca. Estudou e foi a primeira da família a passar
em um concurso público. Funcionária do Banco do Brasil, abriu um mundo de
possibilidades diante de tantas precariedades até então. Chegou ao posto de
gerente, mas jamais se esqueceu das suas origens, e fazia questão de que eu
soubesse.
— Alice, lembre-se sempre de onde você veio.
Apesar de nunca ter passado por tamanha carestia, é como se
aquilo tudo fizesse parte também da minha jornada. Mamãe tem razão, pois não
podemos fugir da nossa história.
Há três meses, perdemos tia Augusta. Ela foi consumida
pelo câncer de mama, que se espalhou. Mamãe e eu cuidamos da nossa parenta, que
sempre olhou por todos nós. Mulher sábia, quando a morfina já não era
suficiente para controlar a dor, não raro, me pedia uma dose de cachaça.
— Titia, mas a senhora tem certeza? O que o médico disse?
— Alice, Napoleão tinha uma frase ótima.
— Napoleão Bonaparte?
— Sim. Sabe o que ele falava?
— Não.
— Na vitória, você merece champanhe.
Na derrota, você precisa dele.
- Nota de esclarecimento: O conto "Tia Augusta e a história da nossa família" foi publicado por Notibras no dia 28/2/2025.
- https://www.notibras.com/site/tia-augusta-e-a-historia-da-familia-regada-a-gole-de-cachaca-no-leito-da-morte/
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