sábado, 1 de fevereiro de 2025

A jovem misteriosa

        A mulher, tipo incomum, passou pelos parentes e amigos do defunto e, sem qualquer cerimônia, depositou um buquê do flores sobre o caixão. Ninguém a conhecia, nem mesmo Laura, a viúva. Seria amante de Alberto, cujo corpo permanecia inerte dentro do ataúde? 

          — Não creio que seja, mamãe. Papai, apesar de nunca ter sido santo, não teria cacife para bancar essa gata.

          — Carlos Augusto, por favor! Respeite a memória do seu pai.

          — Tá bom, mãe! Não tá mais aqui quem falou.

          — Pois desconfio de outra coisa.

          — Do quê, Márcia?  

          — Pode ser que ela seja nossa irmã.

          — Branca daquele jeito? Nem se papai tivesse feito aquele lance que o Michael Jackson fez.

          — Por favor! Calem a boca! Não podem fazer um minuto de silêncio?

          A despeito dos protestos de Laura, ela continuava com a pulga atrás da orelha. Afinal, quem era aquela moça? Curiosa, aproximou-se.

          — Bom dia.

          — Bom dia.

          — Laura. 

          — Sei quem é a senhora. 

          — E de onde me conhece? Posso saber?

          — Claro que pode, agora que o seu Alberto se foi.

          — Seu Alberto? Pelo visto, meu filho estava errado em relação a você.

          — Carlos Augusto?

          — Sim. Você o conhece também?

          — Não exatamente como a senhora poderia supor.

          — E como seria?

          — Como eu o conheço?

          — Sim.

          — Da mesma forma que a conheço, bem como também a Márcia, filha da senhora e do seu Alberto.

          — Estou curiosa. Pode me esclarecer isso tudo, por favor?

          — Será um prazer. 

        Laura apontou um banco sob uma árvore. As duas foram até lá e se sentaram.     

          — Dona Laura, seu marido matou meu pai.

          — O quê?

          — Isso foi há quase 20 anos, quando eu ainda era recém-nascida. Papai não era flor que se cheire, metido com a bandidagem. Os caminhos do meu pai e do seu marido se cruzaram de maneira trágica. Seu Augusto, como a senhora sabe, era policial. Em uma troca de tiros, seu marido foi ferido por meu pai, que também foi atingido.

          — Eu me lembro desse dia. Alberto quase morreu. Tomou um tiro na coxa, perdeu muito sangue.

          — Sim. Meu pai foi atingido no coração e morreu no local.

          — Tá, mas e daí?

          — E daí o quê?

          — Como você veio parar aqui? Como você me conhece? Como você sabe quem são meus filhos? Afinal, como você mesma disse, você não passava de um bebê.

         — Seu Augusto, após se recuperar, foi atrás da minha mãe. Ele estava cheio de culpa por ter tirado a vida do marido dela. Ele passou a ajudar financeiramente minha mãe até que fiquei adulta. Seu Alberto foi um homem muito bom.

         — Ele nunca me contou sobre isso.

        — Sei disso, pois ele fez mamãe prometer que essa história jamais chegasse aos ouvidos da senhora e dos seus filhos.

         — E por que você está me contando isso tudo agora? Por quê?

         — Seu Alberto me procurou há cinco meses. Disse que estava com câncer, que os médicos o haviam desenganado. Ele me pediu para contar tudo para a senhora, pois não queria que a sua família viesse a saber pela boca de outra pessoa.

         Laura fitou a jovem por alguns instantes até que a emoção a empurrou para um abraço. A viúva chorou e, depois de recomposta, viu a moça partir. Elas nunca mais se viram.

          Após o enterro, Laura e os filhos retornaram para casa. A mulher contou a história da jovem. Os filhos, misto de perplexidade e admiração, entenderam que o pai havia tomado a decisão certa. 

           — Mamãe, e qual era o nome da moça?

           — Márcia, minha filha, não tive tempo de perguntar.

  • Nota de esclarecimento: O conto "A jovem misteriosa" foi publicado por Notibras no dia 1º/2/2025.
  • https://www.notibras.com/site/a-jovem-misteriosa-e-o-enterro-do-policial/

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