Agnaldo, tipo bonitão, cara de todos amigos, é o primeiro a ter contato com os meus escritos, cujas palavras faço questão de colocar em cadernos, apesar da insistência de minha mulher querer que eu passe a usar um computador.
— Luiz, daqui a pouco, teremos que alugar
uma sala para colocar tantos cadernos.
Exagero da minha amada, já que não são mais
do que duas caixas grandes, que ficam guardadas na garagem da nossa casa. Além
de não ocupar tanto espaço, é um passatempo para este velho. Além do
mais, nosso carro é um Fusca, que mal sai do aconchego de uma quase
aposentadoria. Nem sei por que ainda não o vendemos. Talvez por apego, talvez
por preguiça, talvez até por coisa que ainda não quis pensar.
Não descarto a razão da minha esposa, ainda
mais porque sou do tipo acostumado a obedecer. Fui criado por mulheres, apesar
da presença de papai, figura quase apagada em relação aos ditames da casa.
Gerente de banco que era, nunca deu pitaco assim que colocava os pés dentro do
nosso lar.
Segui os passos de meu pai e,
logo após completar 18 anos, ingressei no Banco do Brasil, onde fiz carreira
até me aposentar. Durante todos aqueles anos, busquei na literatura refúgio,
que certamente foi um dos pilares da minha sanidade mental. Li os clássicos e,
não raro, comprava livros de colegas que se aventuravam na escrita. Confesso
que não sou o melhor crítico sobre o assunto, mas consegui enxergar talentos
incomuns em dois ou três, que me fizeram invejá-los e, não tardou, tive ímpeto
de me tornar também aventureiro.
Comei com pequenos
rabiscos, nenhum que valha o esforço de ser lido. No entanto, como pai zeloso
que sempre procurei ser, os guardo como lembrança dos primeiros passos dos meus
filhos, hoje todos criados e vivendo suas vidas. Nunca mais os li, apesar da
promessa de fazê-lo assim que a coragem para tal me fizer uma visita, seja até
mesmo para um café em hora inapropriada. É que praticamente todos esses
momentos se foram depois que troquei o paletó por qualquer camisa folgada,
calça de moletom e sandálias.
Falei tanto, que acabei me esquecendo do
Agnaldo, que chegou pelas mãos do meu filho. Este, como todos os homens da
família, telefonaram antes para saber se poderia ou não trazer o dito cujo. Por
acaso, eu quem atendi e, então, passei o telefone para a minha esposa.
Como já havia dito,
o Agnaldo é bonitão, cara de todos amigos, não tem raça definida e, que nem
muitos outros vira-latas, possui aquele jeitão de sambista carioca.
— Sambista
carioca? De onde tirou isso, Luiz?
É a Laura,
minha esposa, que deu aquela esticada de olho nas minhas anotações. Assim que
ela deu as costas, voltei a escrever. Peraí! Talvez minha mulher tenha razão. Dei
aquela encarada no meu amigo, que, surpreendido, fez pose de altivo. Hum!
Cauby! É isso, o Agnaldo tem a presença do Cauby Peixoto.
— Cauby? Luiz,
o Agnaldo tá mais pra cantor de cabaré.
Laura, mais uma
vez, tem razão, e o Agnaldo parece concordar, pois não para de abanar o rabo
para ela. Se bem que minha amada acabou de lhe dar um petisco. Que cachorro
vendido! Estou pensando em utilizar a mesma técnica quando eu for ler meus
textos para o meu amigo. Quem sabe, assim, eu me anime para desencaixotá-los e
mandá-los para o Café Literário do Notibras... Será que serão aceitos?
- Nota de esclarecimento: O conto "O primeiro leitor" foi publicado por Notibras no dia 19/2/2025.
- https://www.notibras.com/site/agnaldo-tipo-cantor-de-cabare-olha-as-letrinhas-ate-que-se-vende-a-petisco/
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