sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

A menina e o prato de pedreiro

   

          Cresci no interior. Não numa cidade pequena, mas na parte mais distante do centro de qualquer povoado, por menor que seja. Por isso, quando alguém me pergunta se o local onde nasci está no mapa, respondo que Deus, talvez propositalmente, deixou de incluí-lo. O mal-estar é instantâneo, como se eu fosse uma aberração. Mal sabem eles que eu, Maria das Dores dos Santos, carrego todas as dores comigo e jamais contei com a ajuda de qualquer santo. 

          Lembro-me bem da primeira vez que estive em São José do Brejo do Cruz, aqui na Paraíba. Foi pouco antes das regras me chegarem. Acompanhei meu pai, que foi vender a sobra da farinha de macaxeira. Ele tratou com um sujeito, dono de comércio, que pagou uma ninharia por tantas horas de trabalho de sol a sol, sem contar as léguas vencidas para chegar àquele lugar.

          Não sei se o homem, um tipo encorpado e suarento, ficou com dó ou, então, quis garantir que papai retornasse na próxima colheita. O certo é que nos convidou para almoçar. Arroz, feijão de corda e um tanto de farinha. Comida conhecida, mas em quantidade muito maior do que estava acostumada. 

          Devo ter arregalado meus grandes olhos castanhos, pois a cozinheira, talvez tocada por minha magreza, foi generosa. Encheu meu prato igual ao de papai. Mal me acostumei com o peso, andei com cautela de veado-catingueiro para não deixar nem farelo cair. 

          Sentada ao lado de papai num canto, trocamos olhares. Não me atrevi a tocar na comida até que ele me cutucou o ombro e me disse:

          — Pode comer, Maria. 

          Tratei de obedecer e comecei a levar aquela comida à boca, quando dois homens chegaram. O mais alto se virou para o menor, como se espantado pelo que viu. Em seguida, se dirigiu à cozinheira:

          — Raimunda, quero um prato de pedreiro que nem o daquela menina ali.

      Olhei para meu pai, que me mandou continuar comendo. Naquele tempo, ainda desconhecia o sentido das palavras daquele homem. No entanto, quando descobri, percebi que, talvez, ele não soubesse o real significado da fome.

  • Nota de esclarecimento: O conto "A menina e o prato de pedreiro" foi publicado por Notibras no dia 21/2/2025.
  • https://www.notibras.com/site/a-menina-da-paraiba-e-o-seu-primeiro-o-prato-de-pedreiro/

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