segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Amâncio não é de briga

        Amâncio, tipo grandão, preferia viver em paz a entrar em contendas. No entanto, caso necessário, procurava seguir os conselhos do finado avô, ex-combatente de guerra nenhuma.

          — Preste atenção em uma coisa, Amâncio.

          — Sim, vovô.

          — Nunca brigue. Nunca mesmo! Jamais! 

          — Sim, vovô.

          — Mas vai chegar o dia... Bem, vai chegar o dia em que você não poderá evitar a briga. Então, você terá que tomar uma atitude drástica.

          O menino, olhos arregalados, aguardou ansiosamente pelas sábias palavras do velho.

         — Pois bem, Amâncio, quando esse dia chegar, é melhor você estar preparado.

          — Vou ter que brigar, né, vovô?

          — Brigar? Pra ficar com um olho roxo ou um dente quebrado? Óbvio que não, Amâncio! Você precisa estar preparado para correr. E trate de correr o mais rápido que você puder!

          Amâncio, agora homem formado, se lembrava das sábias palavras do seu avô, enquanto caminhava destemidamente para entrar em conflito contra um tipo que, diziam as línguas fofoqueiras, estaria se aproveitando da ausência do grandalhão para esquentar os lençóis da Marluce. 

           Quem, afinal, era Marluce? Marluce Antunes da Silva, mulher de 35 anos, cabelos negros, olhos castanhos, sorriso bonito, corpo incapaz de não ser notado por onde passava, era, há quase cinco anos, namorada do Amâncio. Quer dizer, a mulher era mais do que namorada, algo mais do tipo namorida, haja vista o tempo de relacionamento, sem contar as promessas de breve noivado e, talvez para dali a mais cinco anos, de casamento de papel passado. 

            Determinado a tomar uma atitude drástica, Amâncio, passos firmes, não deixaria tamanha traição de lado. Ah, não mesmo! Já chegaria dando uma bicuda na porta, pegaria o gajo pelo pescoço, enquanto a adúltera, olhos arregalados, aprenderia de vez por todas a lição. Era a hora inadiável de mostrar quem é que mandava naquela parada. 

          Não chutou a porta. Não por falta de coragem, mas simplesmente porque ela já se encontrava aberta. Tal detalhe, aliás, provocou ainda mais ira no Amâncio, que viu nisso completa falta de pudor dos amantes, que não demonstravam qualquer resquício de pudor para camuflar a traição. 

          Amâncio, mal colocou os pés na residência, escutou risos vindos do quarto. Furioso, foi até lá e flagrou Marluce e Augusto em trajes sumários. Augusto? O padeiro? Tem certeza? Absoluta! No entanto, antes que Amâncio pudesse proferir qualquer palavra, eis que a mulher, perspicaz como ela só, se virou para o namorado e disse:

          — Já não era sem tempo, Amâncio! Por onde você andava?

          Amâncio, estático, não conseguiu respondê-la, até que Marluce continuou seu monólogo.

          — Então, vai ou não vai me pedir em casamento? Ou será que terei que te trair de verdade para que você tome uma decisão quanto a isso?

          Embasbacado, Amâncio nem percebeu quando Augusto passou por ele com calça, camisa, sapatos e meias nas mãos. Se aquilo era ou não um truque para fazer com que Amâncio pedisse a mão da namorada em casamento, não se sabe. Seja como for, o casório aconteceu no mês seguinte e, desde então, os dois pombinhos vivem muito bem. Ah, quanto ao Augusto, foi um dos padrinhos de casamento e, dizem, será também do primogênito do casal.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Amâncio não é de briga" foi publicado por Notibras no dia 3/2/2025.
  • https://www.notibras.com/site/amancio-orientacao-do-vo-foge-de-brigas-e-cai-na-armadilha-do-casamento/

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