Salete, mulher com raras
virtudes e inúmeros defeitos, não media palavras quando algo a fazia descer do
pedestal da sanidade. Não que ela possuísse alguma, ainda mais quando o assunto
era grave ou, então, qualquer bobagem que a mulher não pudesse deixar passar
como, por exemplo, troco errado, ainda que a quantia fosse de parcos centavos a
menos ou a mais.
Quando a doidivana era
contrariada, não havia santo que desse conta do recado. Tomada pela fúria,
partia para o ataque contra quem quer que fosse. E ai de quem ficasse no seu
caminho, pois era arrastado para o meio do furacão. Dessa forma, os que já
sabiam como as coisas funcionavam logo tomavam certa distância de segurança
para não serem atingidos pelos estilhaços verborrágicos da barraqueira.
Apesar de ser uma pessoa pra lá
de complicada, Salete tinha uma grande amiga, a Dulcineia, que fazia jus ao
nome: doce e amável. Poderíamos acrescentar mais um predicativo à mulher, cuja
paciência beirava à de Jó.
Por falar na
Dulcineia, lá estava a moça fazendo companhia à melhor amiga durante a
caminhada no parque numa linda manhã ensolarada de domingo. Enquanto os
passarinhos cantavam, alguns micos saltitavam de galho em galho e uma linda
gambá, carregando seis bebês na sua bolsa, mantinha o ambiente livre de
escorpiões, lacraias e serpentes. Tudo perfeito, caso não fosse por um detalhe,
o mau humor da Salete, que parecia ter acordado com a pá virada.
Três meninas, não mais de seis anos,
brincavam de bola ali no gramado. Uma jogava para a colega mais perto, que
fazia o mesmo para a outra logo adiante. Mas eis que, por um descuido, a
menorzinha não conseguiu aparar a bola, que foi rolando até parar bem perto da
Salete. A garotinha, toda inocente e cheia de educação, se dirigiu à turrona:
— Moça, a
senhora pode jogar a bola pra mim?
Salete, com fogo nos olhos, fitou a
guria e, com sorriso de bruxa má de desenho animado, respondeu:
— Não!
Enquanto as três meninas, paralisadas pela
reação inesperada, ficaram boquiabertas, Salete continuou caminhando e, para
completar a cena, soltou uma sonora gargalhada. Até a Dulcineia, que estava
mais do que familiarizada com a rispidez da colega, ficou espantada.
— Salete, minha amiga, mas o que você
ganha sendo grossa assim?
— Nada. Sou grossa sem fins
lucrativos.
- Nota de esclarecimento: O conto "Salete e seu gênio complicado" foi publicado por Notibras no dia 11/1/2025.
- https://www.notibras.com/site/salete-e-seu-genio-complicado-que-so-complica-a-vida/
Nenhum comentário:
Postar um comentário