segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Craque improvável

           — Anatólio.

          — Quem?

          — A-na-tó-lio!

          — Conheço não.

          — Tem certeza?

          — Absoluta!

          — Hum... Estranho.

          — O que é estranho?

          — O senhor já é a quarta pessoa para quem pergunto.

          — E pode perguntar pra mais cem, que ninguém vai saber quem é esse Anafóbio.

          — Anatólio!

          — Que seja!

          — Hum...

          — Não sabe dizer o que ele faz?

          — Joga bola.

          — Ih, assim fica difícil, moço.

          — Por quê?

          — É que metade daqui joga bola, e a outra metade assiste.

          — Mas são todos bons de bola?

          — Bom, tem um tantão. Mas se o senhor tá falando de craque, aí só tem mesmo o Macarrão.

          — Macarrão?

          — Não é possível que o senhor não conheça o Macarrão.

          — Não.

          — Pois deveria.

        — E onde posso encontrar esse Macarrão?

        — E por que o senhor quer saber onde o Macarrão está?

        — Ué, você que disse que eu deveria conhecê-lo.

        — Hum... É da polícia?

        — Da polícia? Eu?

        — Sim. E quem mais poderia de ser?

        — Não sou da polícia, meu senhor.

        — E quem agarante que não é.

        — Sou jornalista.

        — Jornalista?

        — Sim. Trabalho no Notibras. 

        — Hum...

        — Meu nome é Mathuzalém Júnior.

        — Mathu o quê?

        — Ma-thu-za-lém.

        — Que nome mais engraçado da piula!

        — E então?

        — Então o quê?

        — Como posso conhecer esse Macarrão?

     — Venha no domingo que vem. Se o nosso time estiver em apuros, o Macarrão vai aparecer.

      Sem ter mais o que dizer, o velho me dispensou com certo olhar de desconfiança. Mesmo assim, não tinha mais o que fazer ali no Sol Nascente e voltei para redação do jornal, onde conversei com o Wenceslau Araújo e o Armando Cardoso, meus companheiros de Notibras. Sem alternativa melhor, eles falaram para eu retornar ao local no domingo seguinte para, então, tentar uma entrevista com o suposto maior craque do futebol de várzea do Distrito Federal.

        Sábado, quase onze horas da noite, estava tão ansioso, que meus olhos continuvam vidrados. Precisei recorrer a um sonífero, devidamente prescrito por meu psiquiatra. Digo isso para evitar comentários maldosos por parte de algum leitor mais atrevido. Seja como for, no domingo, acordei com o irritante alarme do celular. 

           Depois de tomar duas xícaras de café solúvel, peguei as chaves do meu Corcel 73 e fui ouvindo "Ouro de tolo", do saudoso Raul Seixas, até o Sol Nascente, onde os atletas de fim de semana já se preparavam para a tão aguardada partida de futebol. Uma pequena e animada plateia fazia a maior quizumba. Não tardou, avistei o sujeito que havia conversado comigo na semana anterior. 

            — O senhor veio mesmo!

            — Não falei que vinha?

            — Falou, mas pensei que não fosse aparecer.

            — Pois aqui estou, meu amigo.

            Soube que o time visitante era do Itapoã. Os atletas pareciam estivadores, tamanha a quantidade de músculos que ostentavam. Já o escrete da casa não ficava atrás. Cada galalau de fazer medo ao próprio Bicho-Papão. 

            O juiz, não mais de um metro e meio, empertigado igual à camisa engomada, com um sonoro apito, finalmente anunciou o início da peleja. Não tardou, o suor escorria pelas faces e corpos rudes, enquanto, vez ou outra, o sangue esguichava, seja por consequência de um pontapé, seja por uma cotovelada mal-intensionada. 

            Apesar dos esforços dos dois times, o placar do primeiro tempo permaneceu em branco. Entretanto, logo que iniciou a etapa final, eis que Juca Sarrafo marcou para o Itapoã. Sem perder tempo, o técnico da equipe da casa cochichou algo no ouvido de um moleque magricela, que saiu desembestado do local. Observei aquilo e tive certeza de que, finalmente, iria conhecer o afamado Macarrão.

                Os minutos seguintes foram da mais pura expectativa. Meu pescoço já começava a doer, de tanto virar para cá e para lá em busca do craque. Mas nada! Aliás, durante a espera, o Itapoã aumentou o placar, para desespero da torcida, que começava a dar sinais de que algo pior poderia acontecer, caso a peleja terminasse com uma derrota para o time da casa.

                Mais alguns instantes, eis que o moleque retornou acompanhado de um sujeito franzino, cujos cambitos pareciam frágeis gravetos. Seria aquele o tal Macarrão? Não demorou, meu questionamento foi respondido com dribles que poderiam ser assinados pelo próprio Garrincha. 

             Gingada pra cá, gingada pra lá, Macarrão invadiu a área e pimba na chulipa, diminuiu a diferença. Mal o juiz apitou o reinício do jogo, a bola chegou aos pés do gênio, que, apesar de não ter as famosas pernas tortas, entortou quantos marcadores quis e, impetuosamente, chutou entre as pernas do arqueiro, empatando a partida.

                  O técnico do Itapoã esbravejou com seus atletas. Pediu marcação firme sobre o Macarrão. Pobre escrete visitante. Mas como marcar o imarcável? Impossível que estava naquela bela e ensolarada manhã de domingo, o craque improvável marcou mais um e, antes do apito final, o placar anotava 6 a 2. 

                    Embasbacado, boquiaberto, estupefato que fiquei, corri para o campo a fim de tentar arrancar algumas palavras do dono da bola. Que nada, a polícia estava no local e correu no encalço do Macarrão, que driblou a todos com a desenvoltura que lhe é tão própria. Sumiu no meio da multidão, enquanto eu, ao lado do meu velho companheiro da semana passada, apenas tive tempo de dizer:

                — Pois é, meu amigo, você tinha razão. Esse Macarrão é o maior! Nunca vi tão liso assim.  

Nota de esclarecimento: O conto "Craque improvável" foi publicado por Notibras no dia 13/1/2025.

https://www.notibras.com/site/craque-improvavel-da-show-em-jogo-contra-adversario-e-escorrega-como-macarrao/


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