Estêvão Agapito Ferreira da Silva, diziam, era um dos tantos filhos não reconhecidos de Lampião. Não se sabe se essa história é verdadeira, ainda mais por conta da profissão que a genitora do sujeito nem teve oportunidade de escolher, já que foi empurrada sem eira nem beira depois de perder os pais. O único irmão, mais velho, sem tempo para cuidar da menina, e sem enxergar nela qualquer serventia, a trocou por meio saco de farinha e dois cabritos.
Damiana, a tal mãe de Estêvão, pariu o
filho em uma bacia, logo após se deitar com um dos tantos homens que buscavam
seus serviços. As dores do parto se esvaíram como poeira ao vento, pois o
menino, mirrado que nem filhote de gata de rua, precisava sugar o peito antes
que se juntasse a tantos outros no cemitério do vilarejo no interior do
Maranhão. Por sorte, azar ou destino, Estêvão vingou e, ao longo dos próximos
16 anos, viu-se metido naquele recinto movimentado por conta da freguesia em
busca de minutos de alívio para suportar a dureza da vida.
O agora rapaz, apesar de não ter puxado a
beleza da mãe, era querido pelas mulheres da casa, que, em troca de alguns
favores, o ensinaram a arte de amar. Coisas básicas, que a maioria dos homens
sequer desconfiam da sua existência. Ademais, Estêvão mostrou ter outro dom, a
matemática, que, aliada à outra, o bom senso, o fez contador de dona Santinha,
a proprietária do estabelecimento.
Certa feita, dois homens chegaram ao local
em busca de divertimento. Pelas vestes, era gente de posses. Um deles,
provavelmente o mais velho, que apresentava uma calva profunda, quis se deitar
com Damiana, que o repeliu como raramente o fazia, por pior que fosse a
companhia. Dona Santinha, inconformada com a atitude, foi ter um dedo de prosa
com a funcionária.
— O que deu em você, mulher? Nunca te vi
recusar homem. E vai fazer essa desfeita justamente agora com sujeito rico?
— Dona Santinha, a senhora bem sabe
que não me recuso a trabalhar, mas com esse sujeito não me deito nem se me
amarrarem num tronco.
— Pois fique aqui, que vou dizer
que você tá indisposta.
Dona Santinha conseguiu convencer
o cliente. Quer dizer, o sujeito ficou emburrado com a recusa, mas não era
prudente arrumar confusão justamente ali, local afamado pelos bons serviços.
Dessa forma, acabou aceitando a proposta de se dirigir ao quarto mais ao fundo,
onde outra funcionária, Suzana, beldade de seus 20 anos, já o aguardava.
A despeito de não poder reclamar
da noite de luxúrias, o tal homem cismou que queria se deitar com Damiana.
Tanto é que, na noite seguinte, retornou, onde avistou a pretendida sorridente
conversando com um cliente. Ele observou o casal de última hora, até que a
mulher percebeu que estava sendo observada e voltou o rosto, quando os olhares
se cruzaram.
Damiana, para seu próprio
espanto, sorriu para o tipo que, na noite anterior, lhe causara repulsa. Ela
inventou uma desculpa qualquer e dispensou o cliente com quem conversava,
prometendo-lhe que, em outra oportunidade, o compensaria de alguma forma. Não
tardou, a mulher foi até o homem calvo e, após breve conversa, os dois se
dirigiram para um dos inúmeros aposentos.
Após
consumarem o ato, o cliente parecia extremamente satisfeito e, por um instante,
imaginou-se apaixonado pela mulher ao seu lado. Acendeu um cigarro, tragou
profundamente e exalou a fumaça, que se espalhou pelo ambiente. Ele se virou
para Damiana e sorriu.
— Quer?
— Não costumo
fumar, mas vou aceitar.
Damiana tragou e a
fumaça foi expelida em círculos quase perfeitos, que se desfizeram aos poucos.
O homem, maravilhado, observou a cena e, não tardou, tentou beijar os lábios da
mulher, que o repeliu.
— Não gosta de
beijar?
— Gosto, mas
tenho algumas restrições.
— Hum...
Não pode abrir uma exceção pra mim?
Damiana encarou o
sujeito e soltou uma gargalhada sonora, o que o deixou confuso. Ele, talvez na
tentativa de se sentir mais próximo à mulher, sorriu de maneira forçada.
— Qual é o seu nome?
— Não é
possível que você tenha se esquecido.
— Como assim?
— ...
— A gente se
conhece?
— ...
— Como você se
chama? Não quer me falar?
— Damiana.
O homem arregalou os
olhos e, cambaleando, foi se afastando da mulher. Vestiu-se desastradamente e,
desorientado, saiu daquele lugar. Dizem que, ao chegar a sua residência, passou
pela esposa e filhos, entrou no quarto, onde pegou um revólver na cabeceira e
estourou os miolos.
A notícia logo
chegou aos ouvidos da Damiana, que não pareceu se incomodar com o ocorrido.
Continuou trabalhando e, dizem, até com ânimo renovado. Dona Santinha,
intrigada com todo aquele vigor, foi ter uma prosa com a funcionária.
— Mulher, o que
aconteceu, que os clientes são só elogios?
— E por acaso já houve reclamação do meu
trabalho?
— Jamais,
Damiana.
— Que bom!
— Pelo
visto, você está bem, então?
— Ótima! Tão ótima, que estou me sentindo como se fosse uma menina finalmente vingada.
- Nota de esclarecimento: O conto "A saga de Damiana" foi publicado por Notibras no dia 23/1/2025.
- https://www.notibras.com/site/a-longa-saga-e-a-espera-de-damiana-na-casa-da-luz-vermelha/
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