Adamastor, que outrora trabalhara em um jornaleco pra lá de
sanguinolento, conseguia guardar algumas manchetes. Isso apesar do Alzheimer,
cada dia mais avançado. Por conta disso, os parcos amigos que cismavam em lutar
contra os inevitáveis sete palmos, eram unânimes em afirmar categoricamente:
— O Adamastor? Ah, aquele ali não tem histórias, mas
catástrofes.
Diante de tamanha sina, o gajo nem tentava florear a crueza da
existência. No entanto, caso alguém lhe dissesse que era pessimista, logo
tratava de rebatê-lo.
— Pessimista, não, meu amigo! Sou realista!
— E onde fica o amor nisso tudo, Adamastor?
— Amor? Que amor? A única vez que caí nessa ladainha foi pior
do que tiro à queima-roupa.
O homem não gostava nem de falar o nome da responsável pelo seu
único momento de desatino em quase 80 anos de razão. Obviamente que ele ainda o
guardava com aquele amargor de fel. Pois bem, a fulana se chamava Simone.
Pouca coisa além de um metro e cinquenta,
cinquenta e cinco quilos sem muito esforço, a cútis de fazer inveja às outras
mulheres, Simone escrevia uma coluna num jornal mais gabaritado, mas que
pertencia ao mesmo grupo empresarial. Falava sobre os eventos da alta sociedade
e, por isso mesmo, seria praticamente impossível seu caminho cruzar com o do
Adamastor. Mas eis que o improvável aconteceu.
Roberto Gusmão, industrial
mais que endinheirado, vez ou outra, figurava como personagem da coluna de
Simone. Isso até que, por um momento de ciúme, foi parar no texto do
Adamastor. O motivo? Ah, o tal Gusmão, mulherengo dos mais afamados, não
suportou descobrir que a esposa estava tendo um caso com o motorista. Foi tiro
à queima-roupa.
O assassino-viúvo, usando todo o seu poder,
conseguiu se livrar da cadeia. Foi a julgamento, é verdade, mas a sociedade da
época ficou ao seu lado. De algoz, passou a ser retratado como vítima de
adultério. De tão absurda foi a atuação do advogado de defesa, que não seria de
se admirar se o juiz tivesse mandado desenterrar a defunta apenas para que ela
ouvisse a sentença: culpada!
Por conta desse personagem que passou a
figurar nos dois veículos de notícias, Simone e Adamastor se tornaram quase
amigos, pois, antes que chegassem a esse nível, se viram apaixonados. O
relacionamento se tornou tão intenso, que, não raro, ela trocava uma palavra ou
outra nos escritos do namorado, enquanto ele dava pequenas pinceladas de sangue
no texto da colunista.
Pela primeira vez na vida, Adamastor
conseguia enxergar um princípio de arco-íris no céu sempre cinzento. E a coisa
ficou tão séria, que ele pensou em pedir a mão da amada em casamento. Para você
ver como a situação não estava para brincadeira. Todavia, eis que algo
aconteceu.
Um bilhete. Um mísero e
famigerado bilhete sobre a mesa de canto. Adamastor, ainda sonolento pela
tórrida noite de amor, sentiu desconforto por causa da luz que entrava pela
fresta da cortina. Tateou o outro lado da cama, mas não encontrou o corpo de
Simone. Finalmente, abriu os olhos e se deparou com um pedaço de papel. Esticou
o braço e o tomou para si.
"Há momentos que precisam ser
findados para se eternizarem.
Simone"
Adamastor ficou arrasado, mas
aceitou a despedida sem arroubos. Bebeu mais do que de costume por uma semana,
até que retornou à dose dupla de uísque com duas pedras de gelo logo após
entrar no módico apartamento. Dois ou três cigarros completavam o quadro e, por
fim, tomava uma ducha antes de dormir. No dia seguinte, sabia que precisaria
dar cor ao sangue que não parava de escorrer pelas ruas da cidade.
- Nota de esclarecimento: O conto "O jornalista e a colunista" foi publicado por Notibras no dia 1º/01/2025.
- https://www.notibras.com/site/fim-de-breve-romance-vira-tomento-como-tragedia-no-noticiario-de-sangue/
Que pena que não tiveram um final feliz, essa Simone judiou.
ResponderExcluirPois é, Luzia. A vida tem dessas coisas. Mas talvez a Simone tenha encarado a relação deles como algo passageiro. Quem pode saber? Muito obrigado por comentar!
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