Não vou precisar
quando aconteceu, mas foi lá pelos idos de 1950, pouco antes destas terras se
tornarem a capital do país. Um mundaréu de alqueires, alguns destinados à
plantação, mas o ofício de dois goianos, Antenor e Valdenor, irmãos quase
gêmeos, caso não fosse por um par de anos que os separava, era a lida com gado
leiteiro.
Desde muito cedo, aqueles dois ajudavam o pai,
seu Juvenal, mestre da catira e outras artimanhas. Não ficaram ricos, mas
conseguiram driblar a miséria e até chegaram a desfrutar de uma vida
confortável, levando em conta que a propriedade deles não poderia ser chamada
de fazenda. No máximo, um sítio como tantos outros. Dessa forma, também não
dava para ter muitas vacas. Nada além do que 15 ou, em tempos de fartura, 18 ou
20 cabeças.
A rotina começava antes do dia raiar e, perto das nove horas, lá iam os irmãos
com dois galões de alumínio repletos de leite. Na verdade, como as vacas não
produziam tanto, Antenor teve a ideia de dar aquela batizada no produto. Como
não encontrou empecilho por parte do Valdenor, promoveu o milagre da
multiplicação misturando água em abundância até completar cem litros de leite.
Leite puro da roça, como era anunciado e vendido com facilidade para o povo da
cidade de Planaltina.
Seu
Juvenal, que nessa época estava beirando os 40 anos, não repreendeu os filhos.
Talvez tenha até apreciado tamanha engenhosidade, como se fosse retaliação
contra aquela gente metida, que não sabia nem sequer plantar um pé de milho,
quanto mais fazer curau e pamonha. Boa parte já tinha se esquecido dos calos
nas mãos, outro tanto nunca os havia conhecido.
Alguns clientes mais atentos começaram a reclamar do leite ralo. Diante
de tal sinuca de bico, Antenor tirou da cartola uma explicação tão plausível,
que até o Dr. Marcondes, médico afamado da região, pareceu ter engolido.
— Pois é, seu doutor, nossas vacas só comem capim puro, que é
natural. Por isso é que o leite é fraquinho na aparência, mas é saudável. Não
damos essas rações com produtos químicos pra estragar o leite.
Sem tempo ou argumento para discordar, o
Dr. Marcondes assinou embaixo tal explicação, o que foi o passaporte para que os
irmãos vendessem tanto leite, que precisaram colocar um tanto mais de água para
atender tamanha clientela. Todavia, antes de serem descobertos, resolveram
entrar para política.
Antenor e Valdenor já morreram há tempos, mas
deixaram herdeiros. Alguns seguiram os passos dos filhos do seu Juvenal,
outros, no entanto, parece que fizeram fortuna em falcatruas mais arriscadas.
Seja como for, o espírito da família segue firme pelas terras candangas.
- Nota de esclarecimento: O conto "A arte de ludibriar" foi publicado por Notibras no dia 21/1/2025.
- https://www.notibras.com/site/a-historia-de-antenor-e-valdenor-que-transformavam-agua-em-leite-em-planaltina/
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