Certa feita, lá pelos meus
oito anos, quando ainda morávamos na área rural de Caxias, Maranhão, estava eu
brincando próximo ao galinheiro. Madrinha Chiquinha, que estava deitada na rede
ao lado da churrasqueira improvisada, me gritou.
— Martinha, corre aqui!
O som daquela voz
estridente soou dolorido nos meus ouvidos, pois sabia que de duas uma: ou vinha
reprimenda ou, pior, taca.
— Que é, madrinha
Chiquinha?
— Que é? E isso é modo de
falar com sua avó?
Faltou-me palavras diante
daquela bronca.
— Vai ficar aí muda e
calada, menina?
— Não, senhora.
— Pois vá pegar a carne
que tá no fogo!
Com cuidado para não
deixar cair, peguei a carne e a entreguei para vovó, que, cheia de maldade nos
olhos, fez cara de quem iria degustar a maior iguaria do mundo.
— Hum! Adoro essa
gordurinha esturricando.
Tola que era, pensei
que iria receber ao menos um naco. Que nada! A velha devorou tudo com gosto.
Nem fiapo sobrou para mim.
— Que você tá
olhando, menina?
— Nada, madrinha
Chiquinha.
— Então, arreda
daqui antes que eu lhe dê no lombo.
Madrinha Chiquinha, como todo vaso ruim, foi difícil de quebrar. Morreu aos 105 anos, tempo suficiente para que eu me tornasse quase uma velha. Velha em idade, mas com os mesmos olhos assustados daquela menina de oito anos.
- Nota de esclarecimento: O conto "Madrinha Chiquinha não deixou saudade" foi publicado por Notibras no dia 31/12/2024.
- https://www.notibras.com/site/madrinha-chiquinha-morre-aos-105-anos-sem-deixar-saudades/