quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Amarildo, o ranzinza

             Inconformado. Sim, era esse o modo do Amarildo, bancário por profissão, casado com a terceira ou quarta paixão de sua vida, dependendo se incluirmos ou não o amor platônico que teve pela professora no primário. Sem filhos por imposição da correria do dia a dia, era afeito a reclamar de quase tudo. E, caso não encontrasse algo nesse entulho de tudo, tratava logo de arrumar um. 

          Esmeralda, a esposa, trabalhava no mesmo banco, mas em outra agência. Mulher interessante, porém, possuía o péssimo hábito, desde jovem, de se relacionar com resmungões. Talvez porque fosse o tipo a que estivesse acostumada, já que o pai, os tios e o avô pareciam enxergar o mundo pelo avesso. A mãe até tentou dissuadi-la de se juntar ao Amarildo, mas Esmeralda tinha a resposta na ponta da língua.

          — Ah, mamãe, eu sei. Mas o Amarildo beija tão bem.

          Pois é, o que parece ter salvado o sujeito foi a arte de saber beijar. Entretanto, mesmo que toda aquela rabugice sempre estivera presente na vida da Esmeralda, chega uma hora em que enche a paciência. E ninguém poderia acusá-la de não ser tolerante, ainda mais porque o marido reclamava até mesmo quando o casal estava tomando sorvete no parque. aos domingos ensolarados.

          — Que barulho chato é esse?

          — Barulho?

          — É! Barulho! Não está ouvindo?

          — Amarildo, meu amor, por acaso você está falando do agradável canto daquele lindo sabiá-laranjeira?

          — Agradável? Lindo? Aquilo lá parece mais uma matraca. E fique você sabendo que aquilo é até mais feio do que sorriso banguela de criança.

          Incrédula, Esmeralda encarou o esposo, balançou a cabeça em desaprovação, levantou-se do banco e foi embora. Amarildo demonstrou surpresa e ainda tentou dizer algo, mas a voz lhe faltou. Olhou o sorvete, que começou a derreter em sua mão. Atirou-o na lata em frente. 

          Sem coragem de voltar para casa naquele momento, Amarildo foi fazer uma visita de última hora à mãe, que morava a duas quadras dali. Mal entrou, seu rosto o denunciou.

          — O que foi, meu filho?

          — Nada, mamãe.

          — Quem nada é peixe. Vamos, diga-me o que aconteceu, que não nasci ontem.

          Depois de contar o ocorrido, Amarildo baixou os olhos, como se querendo sumir. A mulher, sentindo que o filhote precisava ser acarinhado, foi até ele e o abraçou.

          — Amarildo, meu filho, tem dia que já nasce noite. Mas isso é possibilidade para acendermos uma vela.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Amarildo, o ranzinza" foi publicado por Notibras no dia 9/10/2025.
  • https://www.notibras.com/site/amarildo-o-ranzinza/

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