sábado, 4 de outubro de 2025

O best-seller e a meia empada

              

       Há quase uma década, José Martins era reverenciado pela mídia como o maior e mais prolífero escritor de seu tempo. Prêmios e mais prêmios, sempre abordado por populares, que o reconheciam até mesmo quando acordava descabelado e, sonolento por causa de mais uma noite insone, caminhava até a padaria para tomar aquele café ordinário, mas único para transportá-lo de volta à realidade. 

         Enquanto aguardava na fila, José observou uma senhora, que mordiscava uma empada. Não tardou, a mulher torceu os lábios e, aparentando insatisfação, atirou o resto na lixeira justamente ao lado do autor. Ele teve ímpeto de sorrir, mas retesou todos os músculos do rosto para não provocar imbróglios desnecessários, ainda mais por conta do horário, que, pela etiqueta dos que começam o dia, não é propício. Talvez mais tarde ou, dependendo dos ânimos de possíveis envolvidos, que ficasse para um possível amanhã. 

        Sem a altivez que carregou enquanto anônimo, o afamado autor observou aquela metade de empada na lixeira e sentiu pena. Não do pedaço que agora fazia companhia a uma lata de refrigerante, alguns copos descartáveis e diversos guardanapos amassados. O compadecimento era consigo. 

         Meia empada. Sim. Mísero pedaço de um salgado rejeitado, talvez por estar com prazo de validade vencido, talvez porque não fora capaz de satisfazer o gosto requintado de alguém com, digamos, o paladar mais apurado. Pois foi justamente aquele naco descartado que mexeu com os brios do José. 

          Pagou pelo café barato e voltou para o seu apartamento, onde observou todos aqueles troféus, medalhas e diplomas de inúmeros concursos literários. Quantos ele havia merecido de verdade? Tapinhas nas costas e bajulações começaram a assombrá-lo.

        Por um instante, pensou em voltar para a padaria e resgatar aquela meia empada. Sentiu que teriam muito o que conversar. Com uma empada? Quem, em sã consciência, dialogaria com uma empada? Pior, com uma empada incompleta.

          Ciente da própria mediocridade em que se transformara, José se negou a escrever um novo texto, por menor que fosse. Nem mesmo uma crônica ou um conto, apesar da pressão da editora, que sabia que ele venderia até um texto inspirado em bula de remédio ou receita de bolo.

          Aposentou-se, antes que os leitores percebessem que ele não era aquilo tudo que os críticos, a maioria composta de amigos, escreviam sobre seus livros. Faz a cama, deita na fama. Que horror!

  • Nota de esclarecimento: O conto "O best-seller e a meia empada" foi publicado por Notibras no dia 4/10/2025.
  • https://www.notibras.com/site/o-best-seller-e-a-meia-empada/

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