Julião, fruto do relacionamento de Helena com Jorge, um músico
fracassado, parece que herdou o tino para os negócios do pai, que nunca
conquistou nada além do que o cargo de assessor parlamentar por conta de
influência da sogra. Seja como for, ninguém poderia acusá-lo de não tentar,
pois era o que mais havia feito desde que, aos 12 anos, imaginou que iria
ganhar milhões vendendo sacolé. Obviamente que não faturou milhões, ainda mais
porque passava mais tempo chupando a iguaria, principalmente os de amendoim com
leite condensado, esquecendo-se de que aquilo era para vender.
Aos 15 anos, imaginou-se astro de rock que nem o pai, que nunca
havia ultrapassado as gincanas de escolas, quando os cachorros-quentes com
Coca-Cola parecem atrair mais a atenção do público do que as bandas
desconhecidas que se humilham sobre o palco improvisado. Sem o sucesso
almejado, Julião não se deu por vencido. Vendeu a guitarra e, ouvindo as vozes
da sua cabeça, que se debateram por dias, despertou numa cinzenta manhã de
segunda-feira.
— É isso! Vou ser astro de cinema.
O então novo desejo foi abandonado sem que
as tais vozes precisassem debater novamente. Simplesmente foi esquecido como
aquele beijo em não sei quem durante uma festa sei lá onde. Se bobeasse, era
capaz do rapaz afirmar categoricamente que jamais se imaginou estrelando uma
película ao lado da sua musa da vez, a atriz Carla Marins.
Vendedor de sacolé, astro de rock, galã do
cinema, piloto de corridas e até astronauta, todos sonhos murchos que nem balão
de festa no dia seguinte. Mas não podemos negar que Julião era dotado de
imaginação. Quer dizer, não tanto assim, já que seus devaneios são comuns a
jovens impulsionados por aquele turbilhão de hormônios, que parecem arrancar
qualquer resquício de razão. O problema é que, agora aos 50 anos, o sujeito
queria porque queria se tornar inventor.
— Mas inventou de quê, meu filho?
— Num sei ainda, mamãe, mas tô que não paro de
pensar.
— Hum! Pois vá pensar ali fora, que o ar
aqui dentro já tá impregnado de tantas quimeras.
Helena balançou a cabeça de um lado para
outro, enquanto viu o filho ir se sentar debaixo de uma mangueira no amplo
jardim da residência. Foi para cozinha, onde encontrou a mãe, que degustava um
café, cujo aroma inebriava o ambiente.
— Que cara é essa, Helena?
— Mamãe, estou encucada com
uma coisa.
— Que coisa, minha filha?
— O Julião.
— E o que tem o meu neto
favorito?
— Sei que ele é a cara do pai. Não tenho a
menor dúvida de que o Julião é filho do Jorge. Mas...
— Mas o quê?
— É que o Julião não se parece nada comigo. Será que é possível ele não ser meu filho?
- Nota de esclarecimento: O conto "Entre hormônios e devaneios" foi publicado por Notibras no dia 12/10/2025.
- https://www.notibras.com/site/entre-hormonios-e-devaneios/
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