domingo, 12 de outubro de 2025

Entre hormônios e devaneios

       

        Parecia que, daquela vez, a coisa não iria desandar como das tantas e tantas outras. Se bem que, como dizia a avó, a vida de Julião era mais imprevisível do que jogo do Botafogo.  E quem teria coragem de ir contra tal pensamento, ainda mais porque a matriarca era afeita a manter as rédeas curtas, sem qualquer possibilidade da parentada se rebelar. Quer dizer, uma das filhas, Helena, entre os 14 e 16 anos, tentou alçar voos mais distantes, mas não resistiu à pressão e logo voltou a baixar a cabeça para que o dinheiro continuasse a cair na conta. 

        Julião, fruto do relacionamento de Helena com Jorge, um músico fracassado, parece que herdou o tino para os negócios do pai, que nunca conquistou nada além do que o cargo de assessor parlamentar por conta de influência da sogra. Seja como for, ninguém poderia acusá-lo de não tentar, pois era o que mais havia feito desde que, aos 12 anos, imaginou que iria ganhar milhões vendendo sacolé. Obviamente que não faturou milhões, ainda mais porque passava mais tempo chupando a iguaria, principalmente os de amendoim com leite condensado, esquecendo-se de que aquilo era para vender. 

         Aos 15 anos, imaginou-se astro de rock que nem o pai, que nunca havia ultrapassado as gincanas de escolas, quando os cachorros-quentes com Coca-Cola parecem atrair mais a atenção do público do que as bandas desconhecidas que se humilham sobre o palco improvisado. Sem o sucesso almejado, Julião não se deu por vencido. Vendeu a guitarra e, ouvindo as vozes da sua cabeça, que se debateram por dias, despertou numa cinzenta manhã de segunda-feira.

          — É isso! Vou ser astro de cinema.

     O então novo desejo foi abandonado sem que as tais vozes precisassem debater novamente. Simplesmente foi esquecido como aquele beijo em não sei quem durante uma festa sei lá onde. Se bobeasse, era capaz do rapaz afirmar categoricamente que jamais se imaginou estrelando uma película ao lado da sua musa da vez, a atriz Carla Marins. 

          Vendedor de sacolé, astro de rock, galã do cinema, piloto de corridas e até astronauta, todos sonhos murchos que nem balão de festa no dia seguinte. Mas não podemos negar que Julião era dotado de imaginação. Quer dizer, não tanto assim, já que seus devaneios são comuns a jovens impulsionados por aquele turbilhão de hormônios, que parecem arrancar qualquer resquício de razão. O problema é que, agora aos 50 anos, o sujeito queria porque queria se tornar inventor.

          — Mas inventou de quê, meu filho?

          — Num sei ainda, mamãe, mas tô que não paro de pensar.

      — Hum! Pois vá pensar ali fora, que o ar aqui dentro já tá impregnado de tantas quimeras.

       Helena balançou a cabeça de um lado para outro, enquanto viu o filho ir se sentar debaixo de uma mangueira no amplo jardim da residência. Foi para cozinha, onde encontrou a mãe, que degustava um café, cujo aroma inebriava o ambiente. 

          — Que cara é essa, Helena?

          — Mamãe, estou encucada com uma coisa.

          — Que coisa, minha filha?

          — O Julião.

          — E o que tem o meu neto favorito?

          — Sei que ele é a cara do pai. Não tenho a menor dúvida de que o Julião é filho do Jorge. Mas...

            — Mas o quê?

         — É que o Julião não se parece nada comigo. Será que é possível ele não ser meu filho?

  • Nota de esclarecimento: O conto "Entre hormônios e devaneios" foi publicado por Notibras no dia 12/10/2025.
  • https://www.notibras.com/site/entre-hormonios-e-devaneios/

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