Rogério, cuja embalagem enganava quase todas, nunca teve muito
conteúdo. Tá bom! Mas quem nunca se encantou por aquele colorido papel de
presente, ainda mais quando acompanhado de um belo laço? Pois o gajo era
exatamente isso. O problema era quando a azarada abria a caixa e, para seu
espanto, só encontrava o vazio, repleto de ar, que lhe parecia faltar nos
pulmões.
A despeito de tamanho desapontamento, convenhamos, não é fácil
abrir mão de algo tão prazeroso aos olhos. Por isso, a ofuscada pela luz do
Rogério, não conseguia enxergar o óbvio, que era largar o osso e seguir em
frente. Arlete, mulher de seus 35 anos, bem resolvida sob vários aspectos,
levou um tempo para perceber que aquele gato era um mato sem cachorro. Todavia,
quando a razão lhe chegou em uma cinzenta manhã de julho, a mulher
despertou.
Arlete não fez alarde. Saiu de mansinho e, a
partir daquele momento, não atendeu mais aos chamados do Rogério, que, a
princípio, até gostou. Afinal, aquela era a oportunidade para o homem sair à
caça e, a certeza estava ao seu lado, logo encontraria outra beldade para se
satisfazer. E foi o que fez.
Rogério se envolveu com Lúcia, Márcia, Rafaela, Lorena,
Francisca, Leandra, Roberta... Ih, a lista era tão extensa, que até o galã se
confundia com aquele malabarismo para que uma não descobrisse a existência da
outra. E tudo corria muito bem, até que o inesperado aconteceu. Quer dizer,
inesperado para ele, já que, aos olhos da Arlete, era o inevitável.
Não era possível! Como é que é? Rogério não acreditava naquela
cena, digamos, adocicada que nem quindim. Pois lá estava a Arlete, a sua
Arlete, aos beijos e abraços com o Antônio. Sim, com o Antônio! Como é que
podia uma coisa daquelas? Com o Antônio? Ah, não! Aquilo já era demais!
Rogério se sentiu afrontado por descobrir que a sua Arlete estava
completamente enlaçada no seu melhor amigo. Amigo? Só se for da onça! E, de
tanto olhar, acabou por ser descoberto pelos enamorados, que lhe acenaram
sorrindo, como se aquela fosse a situação mais normal do mundo. Na verdade, até
era, mas não para alguém como Rogério, tão repleto de empáfia.
Determinado a não demonstrar consternação, Rogério sorriu aquele sorriso amarelo
dos constrangidos. Seja como for, arranjou um pouco da coragem que sempre lhe
fora desconhecida e, então, deu alguns passos em direção aos pombinhos. A
vontade era de esganar o colega, mas este era mais parrudo e, era provável
tomar uma surra. Quanto à Arlete, o traído não teve ânimo nem de olhá-la nos
olhos.
Passado o
constrangimento, Rogério se despediu e, com o corpo cambaleante e a mente a
mil, tentou encontrar o rumo do lar, doce lar. Mal entrou, se sentou no amplo
sofá da sala e chorou as lágrimas que nunca lhe fizeram companhia. E, por mais
estranhas que fossem, pareciam honestas. Como é que aquilo teria acontecido
justamente com ele, filho único de dona Solange e seu Valdemar? Não, não e
não!
Desesperado,
Rogério pensou em acabar com a própria vida. Sim, era o único jeito que
resolveria aquela situação. Até imaginou Arlete, arrependida, agarrada ao seu
caixão e vertendo o choro das adúlteras arrependidas. Sim! Isso! Certamente, a
mulher nunca mais teria coragem de tocar os lábios com os de outrem.
Sem a intrepidez
necessária para cortar a garganta com uma faca ou pular do seu apartamento do
quinto andar, Rogério pareceu encontrar a arma que o livraria de todo aquele
sofrimento. Um alfinete. Sim! Um mísero alfinete.
Determinado, o homem pegou aquele minúsculo objeto e, com brilho nos olhos, o ergueu por um instante. Bravo que se sentiu, o levou até a ponta do mindinho da mão esquerda e, impetuoso, o espetou. Rogério se sentiu assombrado com aquilo e, quase de imediato, saiu pela janela que nem balão furado. Nunca mais foi visto.
- Nota de esclarecimento: O conto "Oco de sentimentos" foi publicado por Notibras no dia 5/10/2025.
- https://www.notibras.com/site/oco-de-sentimentos/
Nenhum comentário:
Postar um comentário