sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Juvenal, Alaíde e a dívida

          

        Juvenal andava mal das pernas. Desempregado, fazia um bico aqui, outro ali. O que conseguia angariar era ninharia. Por sorte ou desespero do sujeito, Alaíde, a esposa, fazia jus a um vultoso ordenado no fim do mês. A necessidade de ser o provedor o consumia que nem bicheira em carne viva. 

          Sentado à mesa, enquanto mastigava a carne macia, sentia engulhos, desejo de cuspir, pois aquele mimo era afronta à sua masculinidade tão dilacerada. Se dependesse dos seus ganhos, possivelmente passaria fome. 

          Alaíde, por sua vez, incentivava o esposo, dizia que logo ele arrumaria colocação em importante firma. Não tardaria, chegaria ao posto de assistente. Melhor, seria gerente. Juvenal apenas balançava a cabeça, pois não acreditava naquele sonho tão distante, para não falar impossível. Gerente? Justamente ele que, até então, nunca havia passado de mero balconista de uma loja de ferragens. E, mesmo assim, perdera o emprego porque se confundiu entre uma furadeira e uma parafuadeira. Mero vacilo, que, até então, o patrão nunca havia visto igual.

        Desde a demissão, Juvenal era uma espécie de faz-tudo da região. Se precisava de um carregador de caixotes ou de um trocador de lâmpada, lá estava o marido da Alaíde. Se o pneu furasse, bastava chamar o sujeito para que, meia hora depois, o automóvel já estaria apto a rodar novamente. E não havia tempo ruim, pois ruim mesmo era a humilhação cada vez maior de voltar para casa sem um vintém no bolso. 

          Para piorar ainda mais a situação, o homem começou a ser ríspido com a esposa. Esta, por sua vez, preferia a mudez a se envolver em embates desnecessários. Não que fosse passiva diante das ofensas, mas era inteligente o suficiente para não gastar energia, que era utilizada para cumprir a jornada dupla de trabalho, já que Juvenal se negava a fazer a sua parte das tarefas domésticas. 

          Por causa dessas coisas que raramente acontecem, eis que, no horário mais improvável de que algo no dia mude, Alaíde recebeu um telefonema. Era Lauro, um primo, com quem a mulher andava de conversa. Mas não pense você que era coisa de traição, pois Alaíde era mais fiel do que cão-de-fila. 

          De tão entregue a Morfeu, Juvenal nem acordou. 

          — Alaíde, consegui!

          — Conseguiu mesmo?

          — Num tô te falando, Alaíde?

          — Eu sei, Lauro. É que ando tão nervosa com essa situação, que nem consigo acreditar que isso vai acabar.

          — E pode acabar amanhã mesmo!

          — Sério?

          — Sério! Num tô te falando?

        Alaíde mal conseguia acreditar naquela notícia. Há tempos estava aguardando, apesar de não depositar muita fé na promessa do primo. Pelo visto, ela estava errada, e Lauro bem que merecia uma compensação. No entanto, mulher casada e adepta da fidelidade, não era de bom-tom extrapolar na maneira do agrado. 

          Mal amanheceu, Alaíde despertou o esposo, que ainda roncava o sono dos preguiçosos. 

          — Acorda, meu amor!

          — Acordar pra quê, mulher?

          — Tu tá empregado!

          — Empregado?

          — Sim!

          — Como assim?

          — O Lauro falou com um amigo dele, que é gerente de uma empresa. 

           — Hum! O Lauro, né?!

          — Sim! Anda logo, que não fica bem você chegar atrasado logo no primeiro dia.

           Sem alternativa, Juvenal jogou uma água no corpo, vestiu-se, tomou uma xícara de café e foi trabalhar. E parece que gostou, pois voltou para casa todo sorridente, como um leão que tinha recuperado a juba. Tanto é que o homem fez questão de marcar território, o que deu à esposa a certeza de que ele ainda a amava. 

           Tudo parecia lindo e maravilhoso no lar, doce lar daquele casal. Mas eis que, por um infortúnio ocorrido com o gerente da tal firma, cujo coração lhe parou implacavelmente, o seu cargo ficou vago. Por falta de opção, o dono da firma nomeou Juvenal como novo gerente. Foi aí que as coisas começaram a desandar. 

          Juvenal mostrou-se excelente gerente, muito melhor do que o seu antecessor. O problema foi que o sucesso, parece, lhe subiu à cabeça. Agora, após anos de humilhação, seu salário era maior do que o de Alaíde. 

            Em vez de encarar aquela situação de maneira racional, o gajo começou a se achar o rei da cocada preta. Não tardou, arrumou uma amante, justamente uma colega de função inferior. Não satisfeito, dois meses após, deu em cima de uma novata, que caiu em suas garras. 

          Alaíde, pura e besta, nunca desconfiou das traições do marido. Entretanto, percebeu que ele andava mudado. Passou a tratá-la com arrogância, como se fosse sua empregada. Ah, aquilo era demais! Como é que é? Agir assim justamente com quem tirou o sujeito da sarjeta? Nananinanão!

          Sem alarde, Alaíde, desprovida de qualquer sentimento de culpa, convidou o primo para um chá com torradas no meio da tarde de uma segunda-feira. Ela sabia que era dia do marido fazer serão. E, desde então, o Lauro vai visitá-la, mesmo que, não raro, os dois nem toquem nas torradas. Dívida paga! 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Juvenal, Alaíde e a dívida" foi publicado por Notibras no dia 10/10/2025.
  • https://www.notibras.com/site/juvenal-alaide-e-a-divida/

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