Erasto, velho que era há tanto tempo, afundado na poltrona da
sala, aguardava pela finitude chegar. Incomodado pela demora, de vez em quando
procurava algo para fazer. Um livro, que não poderia ser muito grosso, pois não
suportava a ideia de não terminar de lê-lo antes da derradeira batida do
coração.
Contos e
crônicas, até pela pouca extensão, eram seus preferidos. No entanto, arriscava
uma ou outra poesia, ainda mais do seu autor favorito, Daniel Marchi. Perdia-se
nos versos, enquanto os dias se tornavam mais leves, mas sem afastá-lo por
completo da ideia de que precisava morrer. Aliás, era uma questão de honra
deixar a vida para quem tivesse sede, e não para um idoso carcomido de lamúrias
por saudosismos inexistentes.
Enquanto folheava o livro "A verdade nos seres", Erasto
escutou uma sonora gargalhada vinda lá debaixo na calçada, bem em frente à
praia de Arapuama, na cidade do Cabo de Santo Agostinho-PE. Curioso, foi
ver do que se tratava, quando viu uma bela mulher conversando com um vendedor
de picolé. O que seria tão engraçado? Ele ficou ali na janela tentando
imaginar, até que o telefone tocou.
— Alô!
— Erasto?
— Sim. Quem é?
— Sou eu, a Sofia.
Sofia era uma amiga, dessas que somem e aparecem sem motivo
aparente. Na verdade, ela e Erasto tiveram um caso extraconjugal há quase duas
décadas. Não mais do que duas ou três saídas, até que ela, talvez sem esperança
por algo além do que possuía em casa, resolveu não dar corda ao
adultério.
— Oi, Sofia! Há quanto tempo!
— Pois é. Muito tempo mesmo!
— O que tem feito da vida?
— Depois que me aposentei, algumas viagens. E você?
— Quase não saio de casa, ainda mais depois que a minha mulher se foi.
— Não sabia que você ficou viúvo.
— Não fiquei. A Ruth simplesmente foi embora.
— Ah, tá!
— E o seu marido?
— Está bem. Adora pescar com os amigos.
— Hum...
— Tá fazendo o quê agora?
— Nada.
— Então, desce aqui.
— Como assim?
— Desce aqui. Estou debaixo do seu prédio tomando um
picolé. Quer um?
Erasto, por um instante, deixou o desejo de terminar o dia
dentro de um caixão. Já no elevador, pensou: "Pois não é que, de vez em
quando, o tempo passeia por aqui!"
- Nota de esclarecimento: O conto "Erasto, o entediado" foi publicado por Notibras no dia 13/11/2024.
- https://www.notibras.com/site/amor-e-traicao-voltam-a-paradisiaca-piedade/
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