Mamãe, sim, era impetuosa em todos os sentidos. Se queria algo,
ninguém a impedia. E ai de quem tentasse discórdia! A zanga era implacável e
não perdoava nem mesmo o Jorginho, meu irmão caçula. Quanto a mim, soube desde
cedo que molecagem era tratada com chineladas certeiras da minha velha.
Meu pai, quase o inverso, a não ser quando se arriscava a ir
ver jogos do Botafogo. É que, mesmo naqueles idos, caso o Garrincha não
estivesse com a sanha de arrebatar todos seus pobres marcadores, era provável
que papai retornasse cabisbaixo para casa. No entanto, bastava que o Anjo das
Pernas Tortas estivesse endiabrado, para que papai quisesse cantar de galo. Que
nada! Não tardava, minha mãe colocava ordem no galinheiro.
Digo-lhe, então, que sisudo é demais. Austero!
Melhor, sensato e ponderado, com pitadas de circunspecto e, de vez em quando,
pouco rabugento. Também não é para menos, pois meus herdeiros, todos criados e
donos das próprias vidas, ainda assim, querem me controlar. Implicam que eu
tenha cá minhas manias, que nem são muitas. Nada além de duas ou três, que
resolveram se juntar às que acumulo ao longo de décadas.
Aos 72 anos, percebo que cheguei a uma
encruzilhada. Talvez seja algo inevitável ou, pode ser, que muitos nem se dão
conta quando cá estão. O que sei é que não dá para continuar ouvindo que sou
sisudo, quando a única coisa que desejo é ir para o parque e soprar bolhas de
sabão.
- Nota de esclarecimento: O conto "Sisudo é que não!" foi publicado por Notibras no dia 29/11/2024.
- https://www.notibras.com/site/quem-sente-peso-da-idade-quer-soprar-bolas-de-sabao/
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