Romildo nasceu herdeiro e, por conta de tal
situação, nunca precisou sonhar nada na vida. Quanto aos desejos, eles chegavam
aos montes, cada vez mais intensos, porém breves. Sem tempo para birras, os
pais tratavam logo de comprar tudo o que o menino quisesse. Quer dizer, quase
tudo.
Quando completou 18 anos, além de um conversível incrementado, o jovem
queria porque queria uma ilha. Pois é, uma ilha! Até que dava para retirar uma
bela quantia de aplicações, mas aquilo era demais. Já estava na hora de colocar
um freio no rapaz ou, do contrário, daqui a pouco ele iria querer um pedaço da
Lua. Aliás, por que apenas um pedaço, se os pais poderiam comprá-la inteira
para o filho único?
Sem expectativas de se tornar astronauta, Romildo
acordou numa chuvosa manhã de novembro e pensou: "Bem que um cafezinho
cairia bem!"
E o que é um simples café para
quem poderia comprar um cafezal? Pois é, aquele singelo cafezinho se tornou obsessão.
Tanto é que Romildo passou a estudar minuciosamente sobre tudo o que envolvia a
mais tradicional bebida nacional.
Fez cursos e mais cursos, viajou pelos
quatro cantos do mundo para degustar os mais famosos cafés. Todavia, por mais
que procurasse, sentia que faltava algo. E, após quase dois anos de buscas
infrutíferas, retornou cabisbaixo para o Brasil.
Desceu no aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília. Passaria não mais
do que alguns dias na capital para ajustar certos negócios de família. E foi o
que fez, pois pretendia rumar para uma das suas casas de praia no Nordeste para
curtir a paisagem e pegar uma cor. Mas eis que tais planos foram adiados. O
motivo? Bem, o velho conhecido: aquele cafezinho.
Lá estava o homem sentado à mesa
de negociação, quando entrou Maria para lhe servir uma xícara de café. Pra quê?
Romildo, ao encostar os lábios na bebida, arregalou os olhos, depois os fechou
suavemente. Mas antes de prosseguirmos a história, vale aqui um adendo sobre
quem é Maria.
Maria Lúcia,
nascida e criada entre Luziânia-GO e o Distrito Federal, também nascera
herdeira. Todavia, por conta de jogo e bebida, o pai perdeu tudo. Tudo mesmo!
Inclusive a formosa esposa, que foi buscar aconchego debaixo dos lençóis de um
primo e por lá ficou.
E lá foi a então menina arrastada pelas mãos da mãe e,
graças a isso, sobreviveu. Do contrário, era provável que o pai a tivesse
apostado numa mesa de truco. Sem fortuna, é verdade, mas sob a proteção de um
teto.
Maria Lúcia, ou melhor, Maria. É que a moça até gostava do
seu nome composto, mas preferia a simplicidade de Maria. E foi assim que as
pessoas passaram a chamá-la desde então.
Pois bem, alguns anos se passaram e eis
que voltamos ao ponto em que Romildo, xícara nos lábios, olhos cerrados,
parecia inebriado.
— Quem fez?
— Fui eu. Mas se o senhor quiser que eu faça outro.
— De jeito maneira, senhorita! Este é o melhor café que já provei
em toda a minha existência.
Romildo, após sorver o último gole,
esticou o braço com a xícara na mão em direção à Maria.
— Tem mais, senhorita?
Maria tratou logo de servir ao rapaz, que
parecia encantado com aquela descoberta. Ele, que andara pelos mais longínquos
países do planeta, foi encontrar o elixir que procurava justamente ali no
Cerrado.
— Desculpe por
chamá-la de senhorita. Nem sei se você é casada.
— Não sou.
— Que bom! Então, caso a senhorita não
se sinta ofendida, quero lhe fazer uma proposta.
É engraçado como certas
coisas acontecem. Maria encarou aquele sujeito e lhe lançando um olhar de
desejo que ela jamais havia visto. Sem pensar, ela respondeu:
— Pois diga!
A proposta, obviamente, não era de
casamento ou coisa parecida, mas de sociedade. Romildo, podre de rico que era,
investiu alguns milhões em cafeterias espalhadas pelo país. Ficou ainda mais
rico, enquanto Maria, responsável pela qualidade do café, também foi
beneficiada. Ainda não ficou milionária, mas vive muito bem em uma cobertura no
Sudoeste.
- Nota de esclarecimento: O conto "Romildo, o herdeiro cheio de desejos" foi publicado por Notibras no dia 16/11/2024.
- https://www.notibras.com/site/romildo-cheio-de-desejos-vira-rei-do-cafe/
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