Moacir, do alto dos seus quase 80 anos, viúvo há dois, recebe gorda
aposentadoria, o que lhe permite viver confortavelmente no amplo apartamento
decorado pela falecida. Filhos e netos, apesar de visitá-lo com certa
frequência, já desistiram de falar para o idoso arrumar uma cuidadora. É que o
vovô tem a resposta na ponta da língua.
— Sou velho e
sei que velho sou, mas as minhas coisas faço eu.
A
vida não tem sido tão generosa com Antonio. Abandonado pela esposa por conta de
incompatibilidades, perdeu o juízo e, com ele, o emprego e, sem dinheiro, se
tornou frequentador assíduo das calçadas. Dessa forma, o gajo vive à custa da
caridade alheia ou, então, canta alguma canção do Nelson Gonçalves acompanhado
de uma caixa de fósforo.
Durante as caminhadas diárias, Moacir quase sempre passa pelo mendigo e,
apesar de saber que ele vive por ali, evita fitá-lo. Não por medo, mas receio
de conversas desnecessárias. Todavia, o inevitável aconteceu justamente há
alguns dias, quando o viúvo colocou os pés para fora e, uns 30 metros adiante,
se deparou com Antonio, que tentava encontrar o tom adequado de "Fica
comigo esta noite".
Moacir, que também é fã do finado cantor gaúcho, olhou para Antonio, que
retribuiu o olhar. O idoso, instintivamente, se sentiu compelido a cumprimentar
o maltrapilho.
— Beleza?
— Beleza é o que me falta, mas simpatia tenho de sobra.
- Nota de esclarecimento: O conto "Conhecidos de vista" foi publicado por Notibras no dia 25/11/2024.
- https://www.notibras.com/site/moacir-antonio-nelson-e-a-simpatia-em-comum/
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