Ser humano de segunda classe, isto é, se
tivesse alguma, Gecileine comeria de bom grado o pão que o diabo amassou. Ao
menos, seria algo para forrar o estômago. Os crédulos diriam que a mulher ainda
estava vida por um milagre. Quanto aos incrédulos, afirmariam que era simples
obra do acaso. Seja como for, esses dois grupos tinham algo em comum: ninguém
ligava para as agruras, que eram inúmeras, da quase moribunda.
A pobretona, afinal de contas, seguiu os
passos da mãe. Engravidou, e o quase cônjuge escafedeu-se para não se sabe
onde. Um traste por assim dizer. Seja como for, Gecileine não tinha tempo para
reclamar, pois a barriga crescia a cada semana. E foi o que ela fez.
Já com sete meses de
gravidez, Gecileine conseguiu um trabalho de um dia. Um dia, mas que lhe
renderia o suficiente para passar um mês inteiro. Não que fosse grande quantia,
mas era muito mais do que ela estava acostumada a receber.
Cozinheira! Era essa a função que Gecileine
havia conseguido. Apesar da ironia dela ser contratada para encher o bucho de
um grupo enorme de pessoas, enquanto sua própria existência tinha sido repleta
de fome, a mulher até que sabia juntar os ingredientes de modo convincente,
desde que os paladares não fossem tão exigentes.
Boca-livre! Era um evento de um afamado
político ali na região do Cariri, que queria se eleger pela
enésima vez. E o homem gostava de esbanjar, tanto é que mandou matar dois bois
para alimentar aquela quantidade enorme de eleitores. Ainda bem que Gecileine
contava com três ajudantes na cozinha, pois era tanta comida, e o candidato
precisava conseguir os votos necessários.
Lá pelas tantas, panelas fervendo, o cheiro
dos pratos foi se espalhando pela enorme propriedade, o que deixou o povo
alvoroçado. Não tardou, os inúmeros garçons começaram a entrar e sair da
cozinha para servir toda aquela gente. E, enquanto as pessoas devoravam aquele
monte de comida, o anfitrião fazia o discurso.
— No meu governo vai ser assim! Fartura para
todos!
E o público aplaudia de boca cheia.
Já perto do final do evento, Gecileine conseguiu
se sentar e devorar dois pratos. A fome era imensa, e o bebê a caminho
necessitava. Ela olhou ao redor e percebeu que todos os outros contratados
haviam saído do recinto.
Gecileine constatou que o dono da casa
havia exagerado na quantidade de ingredientes. Gordos que eram os bois, bastava
um para alimentar aquele mundaréu de convidados. Foi aí que ela, diante de duas
peças inteiras de carne, resolveu escondê-las debaixo da roupa.
Colocou uma. Olhou para a direção da porta,
ninguém percebeu. Tomou coragem e logo estava com aquela quantidade enorme de
carnes forrando a sua barriga, que já despontava. Quem a visse naquele momento,
certamente diria que estava prestes a parir.
A grávida pensou em colocar mais alguma coisa
debaixo da roupa, quando, de repente, o anfitrião entrou na cozinha.
Imediatamente, Gecileine se virou para o rumo da pia e começou a lavar alguns
pratos. Teria o homem percebido?
— Qual é mesmo o seu nome, mocinha?
— Gecileine.
— Pois deixe isso aí, que não te contratei pra
lavar louça.
Gecileine ficou paralisada. Teve certeza de
que o patrão por um dia a iria mandar embora. Pior! Tão poderoso que era,
certamente ordenaria que a prendesse por furto. Ele se aproximou e a puxou pelo
braço.
— Vem dançar comigo, moça!
O forró comendo solto, lá estava aquele casal
improvisado, corpos colados, quando o sujeito se afastou.
— Você está com a roupa toda molhada,
mulher!
Gecileine, agora não tinha a menor dúvida,
havia sido descoberta por causa do líquido que a carne soltava. Sairia dali
direto para a delegacia. O homem era poderoso. Ela passaria todo a sua
desgraçada vida na cadeia.
— Tá aqui o seu dinheiro. E
toma mais este aqui, que o pessoal elogiou muito a sua comida. E pode pegar
aquelas duas sacolas ali no canto e encher de carne.
A cozinheira, incrédula,
obedeceu e, antes que saísse, ouviu mais essa:
— Gecileine, é esse o seu
nome, né?
— Sim, senhor.
— Pois quero você aqui de novo pra fazer a
comida da minha vitória nas eleições.
- Nota de esclarecimento: O conto "Finalmente, um dia de sorte!" foi publicado por Notibras no dia 31/10/2024.
- https://www.notibras.com/site/demorou-mas-gecileine-teve-finalmente-seu-dia-de-sorte/
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