No dia seguinte, telefonei para o número indicado e, então,
consegui marcar um encontro para aquela mesma manhã. Por sorte, o endereço era
bem perto do meu trabalho. Tratei logo de me arrumar para o serviço, pois a minha
intenção era ir direto para o banco assim que a entrevista de emprego
terminasse.
Logo que cheguei ao local, não consegui encontrar a entrada,
até que fui abordado por um cara enorme e com cara de poucos amigos, isto é, se
ele tivesse algum. Ele tocou meu ombro e me lançou aquele olhar que lutadores
de boxe fazem antes da luta.
— Manoel?
— Sim.
— Me acompanhe.
Segui o tal brutamontes, que me levou para o lado de trás do
prédio. Ele estacou diante de uma velha porta esverdeada. Olhou para os lados
por alguns segundos, até que, finalmente, a abriu e quase me empurrou para
dentro. Tive que apoiar as duas mãos nas paredes enquanto subia uma escada tão
íngreme, que imaginei que acabaria desabando sobre aquele troglodita, que vinha
logo atrás.
Depois de subirmos três andares, entramos num corredor
praticamente escuro, caso não fosse a iluminação natural que entrava por uma
pequena janela ao lado tipo basculante. Entramos no pequeno apartamento ao
fundo, onde estava o homem com quem eu havia conversado por telefone naquela
mesma manhã.
— Manoel?
— Sim, sou eu.
— Sou o Jorge. A gente se falou mais cedo.
Ele me estendeu a mão e nos cumprimentamos. Em seguida, Jorge
se virou para o grandalhão e, com um gesto de cabeça, o mandou sair. Somente
após algumas semanas, eu saberia seu nome: Bruno. No entanto, todos o chamavam
de Pequeno.
Por sorte, Jorge não me fez qualquer questionamento sobre a
minha formação, pois eu teria apenas o meu diploma do segundo grau para lhe
apresentar. Ele me perguntou se eu era bom em matemática e, então, pela
primeira vez me senti confortável, pois além do meu nome, era a segunda verdade
que havia dito naquela manhã.
— Sou.
— Tá vendo aqueles cadernos e papéis naquela mesa? Quero que
você some tudo.
— Agora?
— Sim. Tem uma calculadora ali.
— Mas é que preciso ir trabalhar daqui a pouco.
— Quanto você ganha nesse seu trabalho?
Antes que eu pudesse responder, Jorge colocou um maço de notas
graúdas no bolso da minha camisa. Nem precisei contar para saber que ali havia
mais dinheiro do que o meu salário de dois meses inteiros.
— Posso usar o telefone?
— Vai ligar pra quem?
— Pro meu chefe.
Jorge me olhou com desconfiança, mas, em seguida, apenas me fez
um sinal em direção ao telefone de cor laranja sobre a mesa. Liguei para o
gerente do banco onde trabalhava.
— Danilo?
— Sim. Quem é?
— É o Manoel.
— Diga lá! O que você quer?
— É que acordei com uma diarreia daquelas. Não vai dar para eu
ir trabalhar hoje. Tem como quebrar essa pra mim?
— Fazer o quê? Vou dar um jeito por aqui. Melhor que te ver com
as calças borradas. Ia acabar espantando os clientes.
Não sei se Jorge ouviu as gargalhadas do Danilo, mas tratei
logo de desligar o telefone. Em seguida, peguei a calculadora e a coloquei
sobre a mesa. Conectei o fio à tomada ao lado. Puxei uma cadeira e me sentei
diante daquele monte de anotações, todas feitas à caneta.
O serviço, apesar de trabalhoso, era
apenas somar, e meus dedos eram ligeiros, graças aos seis meses como bancário.
Tudo estava anotado em cadernos e inúmeros papéis recortados. Na época,
certamente por ingenuidade, não entendi como é que uma empresa que movimentava
tanta grana ainda usava algo tão rudimentar, quando as máquinas de escrever,
hoje peças de museu, eram tão comuns há décadas.
Perto do meio-dia, com mais da metade das somas feitas, Jorge,
sentado em uma cadeira ao fundo, me perguntou se eu preferia carne ou frango.
Levei um tempo para entender a pergunta, até que percebi que ele estava falando
sobre almoço.
— Frango.
Ele abriu a porta e saiu. Não tardou e voltou com duas marmitas
e um litro de refrigerante. Entrou na pequena cozinha ao lado, onde havia uma
mesa redonda, forrada com uma toalha quadriculada.
— Manoel, vem comer!
Almoçamos em silêncio e, em seguida, retornei aos cálculos.
Levei mais duas horas para terminar. Jorge, percebendo que o barulho da máquina
havia cessado, levantou-se e veio até mim.
— Acabou?
— Sim.
— Você é bom.
Ele foi em direção à porta e, não tardou, nos despedimos. O
corredor estava ainda mais escuro, pois a posição do Sol havia mudado. Mesmo
assim, consegui tatear as paredes até que, finalmente, saí pela porta nos
fundos do prédio. Passei pelo Pequeno e tive ímpeto de cumprimentá-lo, mas me
faltou coragem. Fui para casa.
Duas semanas depois, enquanto atendia dezenas de pessoas no
banco, eis que avistei um rosto familiar. Era Jorge, que carregava uma maleta.
Ao seu lado, lá estava o Pequeno, com a característica cara de poucos amigos.
Os dois me viram e nos cumprimentamos com acenos de cabeça.
A fila era enorme, mas percebi que os dois queriam ser atendidos
por mim, pois Jorge deixou que outros dois clientes, logo atrás, lhe tomassem a
frente. E, assim que chamei o próximo da fila, Jorge e Pequeno se postaram
diante de mim. O primeiro me entregou a maleta. Enquanto eu contava todo
aquele dinheiro, Jorge me disse que um dos pacotes era para mim.
— Não posso aceitar.
— Besteira! O Chefe gostou do seu serviço. Ele quer conversar
com você ainda hoje.
— Que horas?
— Agora.
— Não posso, estou trabalhando.
— Besteira!
Depois de somar e fazer o depósito daquela dinheirama toda,
entreguei o recibo para Jorge. Ele me encarou, e não tive dúvida. Fechei o
caixa e aquele foi meu último momento como bancário. A partir de então, quando
alguém me pergunta sobre meu trabalho, sempre respondo: "Ah, sou corretor
zootécnico!"
- Nota de esclarecimento: "Corretor zootécnico" foi publicado por Notibras no dia 9/10/2024.
- https://www.notibras.com/site/bicho-bom-e-dinheiro-principalmente-bem-contado/
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