terça-feira, 1 de outubro de 2024

As afronesias de Lourdes Maria

   

          Lourdes Maria bem que poderia levar a vida na maciota. Aposentada que era, casa própria e filhos criados, não teria dificuldade de passar uma boa temporada no litoral, mas gostava de dizer aos quatro ventos que não trocava Sobradinho-DF nem pelas praias mornas do Nordeste. Por isso, nem vale a pena entrar no mérito, já que gosto é gosto, bem como é loucura bater de frente com a insanidade de certas pessoas. 

          Cada um com suas afronesias, como gostava de dizer a Martinha, amiga de longa data da Lourdes Maria. Aliás, pois foi justamente ela que presenciou um momento de desatenção da tresloucada, que foi até o posto da equina abastecer o Corcel, que não era do Raul Seixas, apesar de também ter sido fabricado no longínquo ano de 1973.

          Pois lá estava a Lourdes Maria ao volante, enquanto o frentista abastecia o carango. A mulher pensava nas mil coisas que precisava fazer ainda naquela manhã, quando o homem lhe devolveu as chaves do veículo. Distraída como ela só, a mulher deu partida e, em seguida, saiu sem pagar. 

          O frentista, atônito, ficou ali parado por um tempo, até que viu o automóvel pegar a pista e, logo adiante, parar em frente ao supermercado, justamente onde a caloteira entrou no momento seguinte. O homem não teve dúvida e foi até lá, onde teve um bate-boca daqueles com Lourdes Maria, que tentou a todo custo se desculpar pela distração. 

          — Senhor, a minha vida é uma correria só! 

          — E eu com isso? O que não pode é abastecer e sair sem pagar.

          — Pois quanto lhe devo?

          — Duzentos e cinquenta e quatro reais e oitenta e dois centavos.

          — Pois pode cobrar duzentos e cinquenta. 

          O sujeito passou o cartão da Lourdes Maria na maquininha. Imprimiu a via da cliente e a entregou. Depois saiu sem se despedir.

          Bem, tudo parecia resolvido. Entretanto, se dizem que o mundo é pequeno, Sobradinho é um ovo. Tanto é que, quase dois meses após aquele imbróglio, Lourdes Maria estava em uma festa de aniversário na casa da Salete, amiga de longa data. Pois, entre os convidados, lá se encontrava o tal frentista, que se chamava Roberval. 

          Lourdes Maria, assim que bateu o olho no gajo, torceu a boca, como se ainda ressentida pela falta educação do homem. Mas nada que a sapiência de uma outra convidada, justamente a Martinha, para colocar panos quentes na situação. Não se sabe como, mas ela percebeu que aqueles dois poderiam formar um belo casal. 

          — Tá maluca, Martinha?

          — Lourdes Maria, conheço o Roberval há tempos. Ele é um cara muito divertido.

          — Divertido? Pois ele é um troglodita!

          — Que nada, mulher! Sem falar que ele é um tipão. 

          — Tipão? Ah, me poupe!

          Apesar das reticências, lá pelo meio da festa, Lourdes Maria acabou se sentando à mesa do Roberval. Não se sabe se foi o efeito do álcool ou, então, pela agradável aparência do sujeito, a mulher começou a olhá-lo de outro jeito. Tanto é que trocaram telefones e, no dia seguinte, foram pegar um cinema. Desde então, a aposentada e o frentista sempre são vistos andando de mãos dadas pelas ruas de Sobradinho. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "As afronesias de Lourdes Maria" foi publicado no Notibras no dia 1º/10/2024. 
  • https://www.notibras.com/site/afronesias-de-lourdes-maria-acaba-em-namoro-firme-em-sobradinho/

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