Aliás, vale aqui um adendo sobre a
longevidade de Gumercinda, cujos registros de batismo e civil eram
incongruentes. Não a ponto de provocar discórdia tão significativa, ainda mais
porque três anos não passavam de sopro diante dos 167 de existência grafados na
lápide da velha lá pelos lados de Ouricuri, no nosso amado Permambuco. Bibi,
parece, herdara a capacidade da avó de se manter viva por tanto tempo.
Outra característica incomum em Bibi era a
fertilidade. A mulher, entre vivos, natimortos e mortos de alguma ziquizira
qualquer, havia parido 48 vezes, sendo a primeira aos 15 e, a derradeira, aos
74 anos. E, há os que arriscam a dizer, poderia ter tido mais duas ou três
crias, caso não fosse pela falta de homens que se abateu na cidade por conta de
moléstia até hoje não totalmente desvendada.
Esse mistério ocorreu lá pelos idos de
1938 ou 1939. E, dependendo do contador desse causo, pode adiantar ou retroagir
um par ou dois de anos. Na verdade, essa discórdia parece não ser importante,
pois, até onde me consta, não atrapalha no desenrolar da história.
Pois bem, sem mais delongas, durante
quatro ou cinco anos, todos os homens em idade fértil escafederam-se da região
ou, então, foram dizimados por um mau agouro, que, segundo ainda se fala por
lá, os impediu de passar suas desgraças às gerações futuras. Um desses casos,
até onde se sabe, o derradeiro, foi do desaparecido até então Antônio Firmino,
último a se deitar com Bibi, então no viço dos seus 73,
Alguns falam em caxumba que desceu para as
partes, outros de reza da beata Iranilde Almeida, que não suportava os gemidos
de prazer dos amantes, que pululavam naqueles cantos a qualquer hora do dia, da
tarde e da noite, sem contar que não davam sossego nem na sagrada madrugada,
quando todos os santos estão adormecidos, talvez pelas cantigas, rezas e
orações. Isso como se houvesse distinção da primeira para a segunda e cada uma
com as demais. Tudo levava ao mesmo fim, ou seja, à pura castidade, que, por mais
desacreditada que fosse, era o objeto de desejo dos impuros solitários.
Aos 84, Bibi se viu sem regras. Os calores
lhe tomaram todo o corpo, mas não aqueles dos tempos em que se deitava com um
homem. Eram por conta da secura advinda com a infertilidade, mas que, vez ou
outra, ainda trazia rescaldo de outrora. Continuava se deitando, mais por
costume do que necessidade. E não fazia distinção de pretendentes, que, apesar
de raros, ainda conseguiam arrancar um sorriso daquele rosto, cada vez mais
enrugado.
Os que ainda se arriscavam sabiam que,
quando houvesse um aceno, poderiam chegar sem receio de serem enxotados. Mesmo
algum forasteiro sabia que teria o que precisava, inclusive uma cerveja gelada,
desde que com paga adiantada. Nada de fiado, pois, até em contrato de amor, não
se pode surrupiar o direito da mulher faturar o seu. Bibi, tarimbada que era,
até onde me falaram, sempre havia recebido adiantado. Ademais, queixa também
nunca se ouviu, mesmo dos mais exigentes.
Pois lá estava Bibi, perto de completar
mais um aniversário, quando foi surpreendida pela visita de Antônio Firmino,
duas décadas e meia mais novo do que ela. Não se sabe se foi por causa de reza
ou da catuaba, o homem parecia ainda mais revigorado que nos áureos tempos de
seus 25. Deitou-se com a velha Bibi, que, quase com o mesmo sorriso de outrora,
caso não fosse pela completa falta de dentes, acendeu o cigarrinho de palha e o
ofereceu ao amante, que aceitou de bom grado.
— Deus faz, o vento espaia, mas aí
vem o Diabo e ajunta de novo - disse a velha.
- Nota de esclarecimento: O conto "Bibiana e seus quase 120 anos bem-vividos" foi publicado por Notibras no dia 15/10/2024.
- https://www.notibras.com/site/se-mathuzalem-fosse-mulher-se-chamaria-bibiana/
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