sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Orestes, o persuasivo

          Orestes, aposentado há quase uma década, tinha certo prestígio no bairro. Não tanto por conta da sapiência, que nem era tanta. É que o povo dali costumava dar ouvidos aos idosos, ainda mais os que ostentavam calvície ampla. 

          — Dona Inocência, preciso falar algo urgente pra senhora.

          — Pois diga, Orestes, que deixei o feijão no fogo. 

          — Sonhei com a senhora.

          — Sonhou comigo? Que história é essa? Já esqueceu que sou casada?

          — Sonhei é modo de falar. Na verdade, foi um pesadelo.

          — Pesadelo? Que pesadelo, homem?

          — Que a senhora estava sendo traída pelo seu marido.

          — Que história é essa, Orestes?

          — Pois é, dona Inocência, pesadelo é algo que vem sem a gente querer. Mas a senhora conhece aquele ditado, né?

          — Que ditado, homem?

          — Onde há fumaça, há fogo. 

          A mulher deu de ombros e foi embora, mesmo porque não queria deixar o feijão queimar. No entanto, a semente da dúvida havia sido lançada. Tanto é que, no finalzinho daquele dia, quando Júlio, o esposo, entrou pela porta da residência, percebeu a esposa com o olhar repleto de fel.

          — Aconteceu alguma coisa, amor?

          — Amor? É assim que você também chama a outra?

          — Que outra?

          — Deixa de ser cínico, Júlio! Já sei de tudo!

          — De tudo? Do que você está falando, Inocência?

          — Tu tá me traindo, sem-vergonha!

          O homem arregalou os olhos, a boca ficou seca. Não se sabe se era surpresa ou sinal de culpa. Seja como for, passou quase uma semana dormindo no sofá, até que Inocência o aceitou de volta na cama do casal. 

          Nem só de pesadelos vivia Orestes. Outra artimanha do idoso era fingir mal-estar passageiro diante de alguém do qual possuísse certa antipatia. E foi assim que aconteceu na fila do caixa na padaria do Ernesto. 

           Orestes, que era o penúltimo, percebeu a presença do Leopoldo logo atrás. Pra quê? O velho, artista que era, cambaleou o corpo e foi aparado pelo desafeto, que se mostrou preocupado.

          — Orestes, você está bem?

          — Ah, Leopoldo! É você?

          — Sim. Por quê?

          — É que sempre tenho essas tonturas quando pressinto algo ruim.

          — Como assim?

          — Almas peregrinas, meu amigo.

          — Almas peregrinas? 

          — Sim! E temo que uma tenha se apossado do seu corpo. Acontece sempre.

          Leopoldo fez cara de assustado, justamente no momento em que todos na padaria olharam para ele. E Orestes tratou logo de complementar a lorota.

          — Hum, Leopoldo, e creio que o seu caso é o pior que já vi.

          — Por quê, Orestes?

          — Não está sentindo o cheiro de enxofre?

          Instantaneamente, as pessoas trataram de tampar as narinas e saíram correndo da padaria. Quanto ao Leopoldo, parece que perdeu o juízo. Foi internado na semana seguinte no sanatório e, dizem, não diz coisa com coisa. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Orestes, o persuasivo" foi publicado por Notibras no dia 11/10/2024.
  • https://www.notibras.com/site/velho-encrenqueiro-sem-juizo-vai-parar-no-hospicio/

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