Aquele era o meu primeiro dia no novo emprego. O ambiente agradável,
apesar das lixeiras com papéis amassados até a boca, e os cinzeiros abarrotados
de guimbas de cigarros. Pelo visto, você já deve ter percebido que essa
história aconteceu antes da tal lei proibindo fumo em ambientes fechados, que,
juro, muita gente imaginava que seria daquelas para inglês ver. E não é que
pegou?
Notei também o enorme quadro de cortiça, onde alguns avisos
pertinentes ao serviço eram afixados com percevejos. E o mais importante, ao
menos o de maior tamanho, me chamou a atenção, além de despertar as famigeradas
bactérias dependentes de açúcar que ainda povoam meu trato digestório:
"Estamos há três dias sem bolo!"
Naquele mesmo dia, descobri que Elaine, fumante inveterada, cujo
corpo cadavérico me intrigava por não possuir nem o menor resquício de gordura
sequer, fora a autora daquele aviso. E, apesar dos protestos de alguns colegas
em fase de regime, o tal jejum de bolo acabou justamente no final do
expediente. A desculpa foi a nova contratação da empresa, no caso, eu.
Ainda hoje tenho ótimas lembranças daquela
perfeição de sabor de chocolate, com cobertura de ganache. Entre protestos e
sorrisos, todos se deliciaram com os fartos pedaços da iguaria. Elaine, como
das outras tantas e tantas vezes, foi a que mais comeu. Era até divertido
presenciar as desavenças que aconteciam entre a minha amiga fumante e a Ruth, a
responsável pelas finanças.
— Elaine, como é possível você não engordar,
mulher?
— É que tenho o metabolismo rápido.
— Que metabolismo rápido o quê! Você deve ter
uma solitária!
— Que solitária que nada, Ruth! Aqui é só amor! Tenho é uma comunitária!
- Nota de esclarecimento: O conto "Estamos há três dias sem bolo!" foi publicado por Notibras no dia 2/9/2024.
- https://www.notibras.com/site/tres-dias-sem-bolo-e-ele-quando-chega-e-uma-festa/
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