A mulher, poucos dias antes
de completar 30, se mudou para o Rio de Janeiro, onde começou a namorar o
Valdir, um fanático torcedor do Vasco da Gama. Não tardou, já estava de casório
marcado. Não que tivesse que correr antes da barriga despontar, haja vista ter
tomado todos os cuidados severamente aprendidos com a mãe. Era por pura vontade
de formar a própria família, cheia de crianças correndo pelo quintal da casa no
subúrbio carioca.
Aos 32, Martinha deu à luz
pela primeira vez. Uma menina, que ganhou o nome de Salete. Dois anos após,
veio um menino, que recebeu o mesmo nome do pai. Mais dois anos, nasceu a
pequena Doroteia, cujo parto complicado veio acompanhado da infertilidade da
mulher. Nada mais de enjoos por conta de gravidez. Com o dinheiro curto, até
que Martinha se sentiu mais que satisfeita com a prole. Estava de bom
tamanho.
Salete e o irmão, influenciados
pelo entusiasmo do pai, logo se viram cruz-maltinos. Quanto à pequena Doroteia,
numa noite sombria de relâmpagos e trovões, decidiu ser torcedora do Botafogo.
Pois é, talvez, a caçula fosse dessas que encontram felicidade no sofrimento.
Seja como for, dos pais aos filhos, todos viviam uma vida em preto e branco.
O tempo correu
ligeiro. Martinha, quase setentona, sentada na varanda, buscou recordações dos
filhos, agora todos crescidos, cada qual no seu canto. Rosto firme, tentou
recolher uma lágrima que já se encontrava à beira dos lábios. Não queria que o
marido percebesse tamanha tristeza. Dissimulado, o homem fingiu que nada
notara, ao mesmo tempo em que lhe lançou uma proposta: "Quer conhecer
Porto Alegre?"
Não foi no mesmo dia
nem na semana seguinte, mas não passou de mês. Tomaram um leito para a capital
gaúcha numa noite sem estrelas. O casal, talvez por conta da aventura, se viu
enamorado novamente e, caso não fosse pelo local impróprio, certamente
avançaria todos os sinais durante a viagem. Todavia, promessas não
faltaram.
O ônibus,
finalmente, chegou à rodoviária de Porto Alegre. Exaustos, Martinha e Valdir só
pensavam em descansar os corpos castigados pela longa viagem. Pegaram um táxi e
rumaram para o hotel. Apesar de longe de casa, dormiram o sono dos justos
naquela cama estranha.
A mulher foi a
primeira a se levantar no dia seguinte. A princípio, estranhou o lugar, até que
a ficha caiu e ela se lembrou de que estava em outra cidade. Curiosa, ela foi
até a janela, abriu as cortinas e se deparou com um estádio de futebol bem ao
fundo. Percebendo que o marido havia despertado, ela o questionou.
— Valdir, o que é
aquilo lá?
— Ah, é o Beira-Rio.
— Beira o quê?
— Beira-Rio, o
estádio do Internacional.
— Quero conhecer!
Os dois velhos
tomaram um belo café da manhã. Em seguida, Valdir chamou um táxi e foi realizar
o desejo da amada. Não demorou, o casal desembarcou diante daquela construção
enorme. Passaram pela estátua do Fernandão e rumaram para o museu do
Inter.
O homem, vascaíno
que era desde criança, ainda tentou ser indiferente à grandeza do time vermelho
e branco. Não conseguiu, ainda mais depois que descobriu que um dos grandes
ídolos da história do Inter havia sido o Tesourinha, que também teve passagem
gloriosa pelo Vasco. Quanto à Martinha, até onde se sabe, deixou para trás
aquela vida em preto e branco e, desde então, só enxerga Colorado.
- Nota de esclarecimento: O conto "Martinha, a colorada de última hora" foi publicado por Notibras no dia 11/9/2024.
- https://www.notibras.com/site/conheca-martinha-a-colorada-de-ultima-hora/
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