Tenho pensado muito numa época que minha
avó me contava histórias da sua infância. De tão distante, creio que o mais
apropriado seria usar era e não época. Seja como for, ainda me lembro de
duvidar de vovó, como se ela sempre tivesse sido velha. Na verdade, naqueles
idos, ela era bem mais nova do que sou hoje. E eis que estou com aquela vontade
de colocar todas essas memórias no papel, mas me falta talento ou, então, medo
de perceber que a minha existência foi medíocre.
Nunca me casei. Apesar da minha aparência
pouco agradável, não me faltaram pretendentes, a maioria mais digna do que o
meu insignificante ser. No entanto, é lógico que me envolvi com algumas
mulheres, mas, quando a felicidade começava a querer se instalar, algo me
repelia. Como sempre fui um covarde, inventava alguma coisa para instigar a
então amada a me dar um fora.
E se não quis me casar, também jamais tive
vontade de ter filhos. Provavelmente por opção ou falta de coragem de
dividir meu tempo com alguém que precisaria depender de mim por muitos anos. E
não me venha com críticas a respeito disso, pois até hoje não sou
autossuficiente para atender às mais básicas necessidades. Imagine se eu
tivesse que me preocupar com as de outro alguém. Nem cachorro quis ter, apesar
de sempre considerar essa hipótese, que nunca foi além de impulsos logo
contidos pela razão.
Também nunca plantei uma árvore além
daqueles feijões depositados em chumaço de algodão embebido em água na escola.
E nem mesmo uma mísera daquelas sementes germinou, como se já prevendo meu
destino infrutífero. Por conta disso, sempre imaginei que feijão possui cérebro
ou algo que o valha, pois impediram que aquele garoto cometesse o desatino de
querer formar uma família.
Mas e um livro? Ando com essa irresistível vontade de escrever
um, desde que não me cause tédio. Todavia, para não provocar fastio, eu
precisaria fugir da minha desinteressante existência. E mentirei descaradamente
para o leitor se deliciar, se surpreender e, o mais importante, sentir aquela
retumbante inveja da magnífica vida que levei.
Pelas batalhas vencidas, serei comparado a
Napoleão; pelas conquistas amorosas, nem Don Juan será páreo. Destemido que
fui, serei assunto nas rodas de conversas de gente que nunca vi. Miserável que
fui em vida, serei celebrado pelas memórias que estarão eternamente impregnadas
nas páginas que escreverei.
- Nota de esclarecimento: O conto "A memorável vida que nunca tive" foi publicado por Notibras no dia 16/9/2024.
- https://www.notibras.com/site/velho-saudosista-marca-em-livro-vida-que-nunca-teve/
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