Casado com Juliana há quase duas décadas, poderíamos afirmar
que praticamente não ocorria desavença entre os dois. Brigona que era, a mulher
sabia se impor e, caso precisasse levantar a voz, a única que seria ouvida
naquela casa seria a dela. E ai do Carmelo reclamar. Era, por baixo, dois dias
dormindo no sofá.
O homem, acostumado que estava em engolir desaforo da esposa,
tratou logo de arrumar uma válvula de escape para os momentos de descontrole.
Mas não pense você que foi coisa fácil de descobrir. Não mesmo!
Tentou caminhar, mas logo percebeu que gastaria a sola do
sapato antes que a raiva fosse dissipada por completo. Correr também não serviu
para tal propósito, já que o fôlego de fumante inveterado o dissuadiu da ideia.
Um amigo o convidou para jogos de poker, mas a sorte não andava ao seu lado.
Quase desistindo, Carmelo, logo após levar uma bronca daquelas
da Juliana, foi até a varanda do apartamento para gritar o grito dos
enraivecidos quando, por um desses acasos, avistou um velho sentado no banco da
pracinha ao fundo. O sujeito parecia entretido na leitura de um livro, cuja
capa era difícil de ser notada.
Curioso, Carmelo desceu as escadas e foi em direção
ao senhor, que ainda mantinha os olhos direcionados para as páginas repletas de
letras. Por um instante, o leitor observou o homem se aproximando e, antes de
se apresentarem, retirou do bolso do paletó outro exemplar de "A verdade nos seres", do poeta Daniel Marchi, e o entregou a Carmelo.
— Meu amigo, pela sua cara, você está
precisando de um pouco de poesia na vida.
- Nota de esclarecimento: O conto "Manso que nem ovelha, mas nem tanto" foi publicado por Notibras no dia 23/9/2024.
- https://www.notibras.com/site/carmelo-manso-como-ovelha-tinha-la-suas-iras/
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