Almir era sujeito faceiro, garboso até
dizer chega, mas tinha lá seus defeitos. O mais flagrante era que o cabra,
quando queria, podia ser mais enrolado do que briga de polvo. Se dizia uma
coisa, facilmente desdizia o que disse ou, pior, assumiria que jamais teria
dito. E assim levava a vida, como se todos devessem acreditar em tanta
armação.
Não se pode afirmar,
entretanto, que Almir estivesse de todo errado quando o assunto era o desgosto
por trabalhar. Afinal, quem, em sã consciência, o faz por prazer? Mas ele não
havia nascido milionário nem mesmo poderia ser considerado pertencente à tão
almejada classe média alta. Era, no máximo, média medíocre e olhe lá. Por isso,
fazia-se necessário labutar para conquistar o quinhão que lhe fizesse manter a
despensa abastecida com o suficiente, para caso de, valha-me Deus, fosse
demitido.
Como o leite das
crianças precisava ficar garantido por, ao menos, um mês, o homem até que
tentava se esforçar, mas a sua natureza, nem sempre, colaborava. Que a culpa caísse,
portanto, sobre ela! Ainda mais porque o acontecido caiu logo numa
segunda-feira, cuja terça seguinte nem era feriado.
Antônio, patrão do Almir,
já estava mais angustiado do que piolho em cabeça de careca, cuspia marimbondos
e lacraias por mais aquele atraso do funcionário. Cadê aquele maldito? Onde
será que se meteu o pilantra? Só falta chegar aqui no final do expediente com
aquela cara lavada para dar a desculpa mais estapafúrdia.
De tão nervoso, Antônio
telefonou dezenas de vezes pro Almir, mas só ouvia a mensagem de que o celular
estava desligado ou fora de área. Fora de área ficaria o salafrário, ou melhor,
a vontade do patrão era dar uma bicuda no traseiro do subordinado para que ele
nunca mais aparecesse. Tentou até se acalmar, mas trocou o chá pelo cafezinho,
o que o fez ficar ainda mais transtornado.
Quase duas da tarde, lá
foi o patrão tocar a campainha da residência do Antônio. Tocou, tocou, tocou!
Mas nada! Será que ele havia saído? Esmurrou a porta, até que, finalmente,
surgiu o gajo, com remela nos olhos de tanto dormir.
— Seu Antônio, acredita
que até agora estou procurando as chaves do carro?
— Ah, é? E faz quanto tempo que você acordou agora?
- Nota de esclarecimento: O conto "Mais enrolado do que briga de polvo" foi publicado por Notibras no dia 16/9/2024.
- https://www.notibras.com/site/almir-enrolado-como-briga-de-polvo-tem-emprego-ameacado/
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