O que torna o local especial é justamente o público. Aparece
cada figura, que, não raro, me pergunto se um tipo ou outro não saiu da doentia
imaginação de um roteirista desses filmes B. E, por conta dessas peculiaridades,
o Guima não perdoa e sai colocando apelido em todo mundo.
Um deles é um velho quase gagá, que só conheço
por Bin Laden. Não creio que ele seja um terrorista, mas a alcunha deve ser
porque o cara é bem alto, magro e meio encurvado. Aliás, com essa curvatura
toda, já até pensei em um apelido mais apropriado: Pipa. Se bem que alguém
poderia supor que fosse por causa daqueles barris de conhaque ou outra bebida.
Melhor Bin Laden mesmo.
Meio distraído, Bin Laden, não raro, esquece a carteira, o
isqueiro ou o maço de cigarros na banca. Mas o que aconteceu anteontem não foi
por causa de esquecimento, e sim por excesso de lembrança. É que o coroa,
inocente, puro e besta, acabou se confundindo e pegou as chaves da banca.
Na hora, ninguém percebeu essa atrapalhada. Foi só quando a
noite adentrou a rua que o Guima se deu conta do ocorrido. Procura daqui,
procura dali e até de acolá, ele começou a se desesperar. Como é que iria
fechar o comércio e poder ir para o lar, doce lar sem precisar se preocupar com
os ladrões da região? Foi aí que ele se lembrou que o local tem câmeras.
Após quase uma hora correndo a filmagem do dia, Guima se
deparou com o Bin Laden pegando o chaveiro sobre o balcão e o colocando no
bolso da calça de tergal. No entanto, o problema não estava resolvido. É que o
Guima não sabia onde o velho morava. E agora?
Pensamento a mil, Guima se lembrou de algo que, era possível,
poderia ser a ponta de uma investigação. É que ele tinha anotado no caderninho
de devedores o número do telefone do Gavião. Desse modo, lá foi o Guima virar
as páginas até que encontrou o tal número. Ligou e, após algumas tentativas
frustradas, conseguiu falar com o cliente.
— Boa noite, Guima! Não sei onde o Bin Laden mora, mas acho que
o Doutor Pocotó sabe.
— Tem o telefone dele?
— Não tenho, mas sei que ele mora na rua da
Forca. Só não sei o número.
— Valeu! Vou dar meus pulos.
Sem melhores alternativas, lá foi o Guima para
a tal rua. Precavido que era, antes pegou o Zé Boião, antigo freguês, que
passava naquela hora em frente à banca.
— Zé Boião, preciso da sua ajuda. Toma conta
da banca, pois tenho que achar o Bin Laden. Ele pegou as minhas chaves.
Guima ligou a lambreta e cometeu todas as
infrações possíveis no trânsito caótico de Salvador. Chegou ao local, mas
precisava descobrir onde é que o Doutor Pocotó morava. Perguntou para inúmeras
pessoas que caminhavam, até que uma senhora, cuja aparência lembrava a da Dona
Canô, indicou um local.
— Moço, não conheço nenhum Doutor Pocotó, mas,
pelas características, deve ser o seu Gumercindo. Ele mora ali naquela casa da
esquina.
E lá foi o Guima tocar a campainha da tal
residência. Não demorou, um homem gordo e careca abriu a porta. Era o Doutor
Pocotó, ou melhor, o seu Gumercindo. Por sorte, ele sabia onde Bin Laden
residia: rua do Paraíso, que ficava ali perto.
De
volta para a lambreta envenenada, Guima não demorou a estacionar em frente à casa
do Bin Laden. Este, envergonhado pelo transtorno causado, entregou as chaves
para o dono da banca, que teve que recusar o prolongamento da prosa, pois
precisava liberar o Zé Boião.
Guima acelerou ainda mais a lambreta e, já na
esquina, percebeu que o Zé Boião estava sentado na cadeira em frente à banca,
latinha de cerveja numa das mãos, pacote de salgadinhos na outra. O dono da
banca não teve como reclamar pelo prejuízo causado pelo vigilante de última
hora, que, antes de se despedir, tratou de colocar debaixo do braço uma
daquelas revistas com tarja preta.
— Guima, se precisar, é só chamar!
- Nota de esclarecimento: O conto "A banca do Guima" foi publicado por Notibras no dia 5/9/2024.
- https://www.notibras.com/site/bin-laden-poe-guima-dono-da-banca-em-confusao/
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