quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Pavio curto

    

          Glória, cujo nome não poderia ser mais glorioso, não era de fazer rodeios quando precisava dizer algo. A mulher, ao que tudo indicava, teria nascido sem freio na língua, pois desde sempre falava o que lhe vinha na telha. Se acaso alguém se sentisse ofendido, problema. Ela nem ligava ou, então, se fazia de desentendida e continuava a vida como se nada tivesse acontecido. 

           Para evitar confrontar a atrevida, as pessoas preferiam fugir da discussão desnecessária. Não dava mesmo para competir com tanta petulância, ainda mais alguns dias antes das regras, que vinham e iam mês a mês. Até a mãe, da qual a mulher havia herdado a completa ausência de paciência, preferia não bater de frente com a filha. 

          Apesar dessa quase perene falta de combatentes à altura, eis que aconteceu logo no ambiente de trabalho. Para ser mais preciso, o fato se deu justamente nas festividades de fim de ano, quando os funcionários resolveram fazer aquela costumeira brincadeira que todos são praticamente obrigados a participar para não receber a indesejável alcunha de chato. 

          Judite, que possuía um cargo logo abaixo do chefe e um tanto acima dos demais, foi a escolhida para passar a lista de presentes que todos queriam receber. Tudo ia bem, até que chegou a vez da Glória preencher o tal rol.

          — Lista de presentes?

          — É.

          — Mas não é amigo-oculto?

          — É.

          — E qual é a graça da pessoa já saber o que vai receber?

          — O chefe falou que assim é melhor, pois evita frustrações.

          — Há, há, há! Que coisa mais ridícula!

          — Glória, por favor, não vá criar caso. Preenche logo a lista.

          — Não vou participar.

          — Por quê? Vai dar uma de inconveniente agora?

          — Inconveniente?

          — É. Você sempre faz questão de ser do contra.

          — Judite, vai ver se tô ali na esquina. Aliás, melhor ir catar coquinho. Ah, e mais uma coisa.

          — O quê?

          — Não amola!

          — Glória, você deveria ser mais respeitosa.

          — Respeitosa? Mulher, eu sou é afrontosa!

  • Nota de esclarecimento: O conto "Pavio curto" foi publicado por Notibras no dia 28/8/2024.
  • https://www.notibras.com/site/gloria-de-pavio-curto-bate-de-cara-doa-a-quem-doer/

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