— 18 menos 5.
Empertigado que nem pavão, Aurelino
desfilava soberba por onde passava. Ninguém se atrevia a dizer coisa que o
desabonasse, mesmo que o vaidoso merecesse ser achincalhado. Era homem de
posição, e prudência era necessária para não ser alvo de perseguição por tolice.
Um biltre, é verdade. Todavia, biltre com o alforje repleto de poder.
O traste empoderado, além da canalhice e da
maneira de dizer as horas, era mais pontual que bexiga de velho durante as
madrugadas frias. E ai de quem não estivesse pronto na hora marcada.
— Seu Jorge, amanhã passo aqui às 10 menos 15
para que você me apare o bigode.
— Não vai querer cortar o cabelo, doutor?
— Semana que vem.
O barbeiro, que era bom na tesoura, mas ruim
em matemática, se desdobrava para descobrir a que horas o freguês iria
aparecer. Por sorte, naquele dia, estava por ali o pequeno Juliano, menino
afeito a contas.
— 9h45!
— Tem certeza?
— Se duvida, por que o senhor não faz as
contas?
Sem tutano para tanto, Jorge tratou logo de
colocar a desconfiança de lado. Pegou o caderno de espiral debaixo do balcão e
anotou o compromisso.
No dia seguinte, na hora marcada, lá
estava Aurelino para cortar as pontas do bigode. Cumprimentou o barbeiro, que ligeiro
foi dar algumas espanadas na cadeira para o ilustre freguês se acomodar.
Corta daqui, corta dali, eis
que, de repente, a cabeça do Aurelino tombou para o lado. O corpo seguiu
caminho idêntico. Jorge, a princípio, imaginou que o mais ilustre cliente estaria
lhe pregando uma peça. Que nada! O coração do homem havia cansado de bater
exatamente às 10 menos 10.
- Nota de esclarecimento: O conto "Aurelino, o empertigado" foi publicado por Notibras no dia 18/8/2024.
- https://www.notibras.com/site/na-morte-nao-se-leva-nada-talvez-uma-ampulheta/
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