Os curtos-circuitos, entretanto,
costumavam ocorrer em português mesmo, ainda mais quando trocava mensagens com
os netos. Esses imbróglios geralmente eram por causa de uma palavra ou outra
que já caíra no esquecimento do povo há tempos, mas que a velha cismava em
utilizar. Talvez para exercitar a memória ou, é possível, para causar espanto
nos mais jovens.
Aconteceu, certa vez, durante uma conversa
virtual entre Carolina e duas netas, a Lúcia e a Helena. Uma das moças residia
em João Pessoa, enquanto a outra estava passando uma temporada em Buenos Aires
para tentar, por uma vez por todas, aprender o espanhol. O problema é que a
garota havia arrumado um namorado brasileiro, que também teria ido para a
capital da Argentina com o mesmo propósito. O resultado é que, até onde se
sabe, os dois nunca conseguiram largar por completo o portunhol.
Voltando ao tal bate-papo entre a vovó
Carol e as meninas, eis que a matriarca resolveu vasculhar o dicionário atrás
de uma palavra que até ela desconhecia. E, depois de algumas folheadas,
conseguiu encontrar uma que parecia ideal. E, não demorou, tratou logo de
usá-la como se fosse tão corriqueira como pedir um pingado no balcão da
padaria.
— Sabe, crianças, ontem
conheci o vizinho que se mudou recentemente. Ele me pareceu ser um
abnóxio.
— O que é isso, vovó? A senhora vive falando
que não gosta de falar palavrão.
— É mesmo! Mamãe disse que você até passava
pimenta na língua dela toda vez que ela falava um.
— E por acaso falei
palavrão?
— Ah, você xingou o
homem aí de abi não sei o quê.
— Abnóxio, Lúcia!
— Então, isso aí mesmo. Tenho certeza de que
esse troço aí é palavrão.
— Abnóxio quer dizer inócuo.
— Vovó! O que é isso? A senhora está com a
boca suja hoje, hein!
— Helena, inócuo é o mesmo que inofensivo.
Após a explicação, as três caíram na
gargalhada. No entanto, a Lúcia, talvez querendo fazer um agrado, tocou em um
ponto nevrálgico da avó.
— Vovó, a senhora é tão moderna. Por que não
pinta os cabelos e as unhas. Aliás, deveria até fazer uma plástica que nem a
tia Márcia.
— O quê? Você está
querendo dizer que estou feia de cabelos brancos, sem pintar as unhas e ainda
quer que roubem as minhas rugas de estimação?
— Vovó, a Lúcia só quis dizer que a senhora
poderia ficar mais jovem.
— Pois vou lhes dizer
uma coisa, meninas. Estou muito bem com meus cabelos brancos, minhas unhas
curtinhas e sem pintura. Quanto às minhas ruguinhas, não vou deixar nenhum
cirurgião arrancar de mim o que a vida levou tanto tempo para desenhar.
- Nota de esclarecimento: O conto "Carolina, a vovó Carol" foi publicado por Notibras no dia 17/8/2024.
- https://www.notibras.com/site/vovo-carol-assume-idade-e-rejeita-fonte-da-juventude/
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