O gajo cresceu e se tornou um rapagão
boa-pinta. De tanto usar gel, as madeixas deram lugar a um cabelo rente, o que
provocava reboliço entre as moçoilas solteiras, além de algumas comprometidas.
Dizem que até as mulheres casadas se sentiam atraídas pelo bonitão, sem se importar
com a presença dos maridos. No entanto, tudo ocorria na maior discrição, sempre
na proteção das coxias.
O homem, diante do banquete, preferia
manter a solteirice. Entretanto, percebeu que precisava arrumar um casório o
mais rápido possível, mesmo porque fora picado pela mosquinha da política. Era
de bom alvitre ser casado e ter alguns herdeiros para garantir o sucesso
na carreira.
Salviano tratou de escolher, entre tantas
pretendentes, a que mais condizia com o almejado posto de vereador. Aldenora
Carvalho de Albuquerque, além de boa procedência, era-lhe agradável aos olhos.
O rapaz, após o pedido formal ao patriarca da família da moça, cumpriu o longo
período de noivado para não restar dúvida da honestidade da senhorita.
Os pombinhos se casaram no primeiro dia de
maio, justamente o mês das noivas. Diante do figurino mais que perfeito, foram
passar a lua de mel na capital. Retornaram duas semanas após e, não tardou, a
agora senhora Aldenora Carvalho de Albuquerque Quintanilha começou a sentir os
primeiros enjoos próprios das mulheres desposadas.
Salviano Quintanilha Filho nasceu em fevereiro
do ano seguinte, para alegria dos pais, dos avós e de toda a família. Enquanto
o bebê era amamentado pela mãe, o pai iniciava a trajetória na vida pública.
Candidatou-se a vereador e, para a surpresa de ninguém, elegeu-se com o maior
número de votos que aquela região havia visto.
Político de sucesso nos anos seguintes,
Salviano viu a família crescer com a chegada das gêmeas Maria Lúcia e Maria de
Fátima. De tão confiante que estava, resolveu concorrer ao prestigiado cargo de
prefeito. Elegeu-se com sobras e, não obstante às ações um tanto
inescrupulosas, continuou com a popularidade em alta. Prova disso é que, após
ser reeleito para a prefeitura, começou a se imaginar deputado estadual.
Novas eleições, e os eleitores não negaram a
maior votação ao amado candidato. Deputado estadual por dois mandatos seguidos.
Sucesso que, à custa de emendas pouco probas, instigou Salviano a pretender
galgar degraus mais elevados. E por que não deputado federal? Pois foi o que
fez, com a coragem dos que sabem que a história é escrita por quem é
destemido.
Aos 60 anos, o deputado federal Salviano
Quintanilha, com alguns milhões de eleitores fiéis, estava sentado em sua
confortável poltrona na sala de sua mansão. Filhos criados, todos com posição
de destaque nas devidas profissões que escolheram, alguns netos correndo pelo
quintal. O homem olhou para a esposa e sorriu aquele sorriso fácil, que
ludibriava até o mais incrédulo dos seres.
— Aldenora, meu amor, sabe que estava pensando
aqui com os meus botões?
— O quê?
— Se eu tivesse escolhido ser padre, é
possível que hoje o papa fosse brasileiro.
— Talvez.
— Quem sabe até eu fosse canonizado, não é
verdade?
— Salviano, meu amado marido, pegar algumas
notas de cem e jogá-las pra plateia nunca o tornará um santo.
- Nota de esclarecimento: O conto "Salviano, o homem do sorriso fácil" foi publicado por Notibras no dia 22/8/2024.
- https://www.notibras.com/site/salviano-do-sorriso-facil-so-nao-comprou-papado/
- O conto "Salviano, o homem do sorriso fácil" faz parte da edição Crescer da revista Contos de Samsara 16.
- https://drive.google.com/file/d/15rZ7MYGZjeDlnMd9CRwIWbH7ed0TpCUY/view?ts=672567e0
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