sábado, 3 de agosto de 2024

O mágico e o repórter

      

        Aceitou conceder entrevista, mas exigiu conferir antecipadamente as perguntas. Nada de falcatruas por parte do repórter. Do contrário, interromperia ali mesmo. O entrevistador, microfone conectado ao gravador do tamanho de um tijolo, acionou a tecla, e a gravação começou.

        — Há quanto tempo está no ofício?

    — Costumo falar que antes de nascer. Meus pais, que também eram do ramo, se conheceram quando trabalharam na mesma trupe. Mamãe, para você ver, quase me teve durante a apresentação. Foi por pouco. Logo após os aplausos, nasci nas coxias. 

    — Deve ter sido tensa tal situação.

    — Para quem é do ramo, não muito.

    — Mas a sua mãe não era malabarista?

    — Sim. E papai era palhaço.

    — Hum. Então, por que você se tornou mágico?

    — Porque quis.

    — Mas por quê?

    — Porque, sim.

    — Mas não teve um motivo especial?

    — Vontade. 

    — Vontade de ser diferente?

    — Vontade de ser mágico.

    — Sem motivo?

    — Seus pais são repórteres?

    — Não.

    — Por que você quis ser repórter, então?

    — Porque, sim.

    — Mas deve ter tido um motivo.

    — Desejo.

    — Hum. Desejo de ser diferente?

    — Peraí! Quem faz as perguntas aqui sou eu.

    — Pois é, o jornalista é você.

    — E você é o mágico.

    — Exato.

    — Então, sua vida é fazer truques.

    — Mágica.

    — Mas mágica não existe.

    — Existe.

    — Hum... Você por acaso possui poderes?

    — Sou mágico.

    — Então, você tem poderes?

    — Sou mágico.

    — Se é mágico, então, prove.

    Diante de tamanha indiscrição, o mágico se levantou e nunca mais apareceu. Não se teve qualquer notícia dele. Talvez, tenha entrado em uma cartola. Ninguém sabe ao certo. Escafedeu-se.

  • Nota de esclarecimento: O conto "O mágico e o repórter" foi publicado por Notibras no dia 3/8/2024.
  • https://www.notibras.com/site/entrevistado-some-como-coelho-em-cartola-furada/


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