domingo, 11 de agosto de 2024

As dores de Rogéria

    

            Rogéria corria o dia para que a noite chegasse logo para, então, se deitar. Não que fosse afeita à preguiça, mas queria se livrar das agruras do cotidiano. Casada que era há quase quatro décadas com Luciano, um inveterado hipocondríaco e carente de atenção, a mulher só encontrava ouvidos no travesseiro. E sonhava, sonhava, na vã esperança de que os sonhos lhe trouxessem algum alento.

          Havia dias, no entanto, que a mulher queria chutar o pau da barraca, mas sempre conseguia segurar os ânimos. Ou era medo de que a vida saísse dos trilhos ou, talvez, receio de que algo pior pudesse acontecer. Seja como for, ela ficava parada na cozinha, observava a goiabeira pela janela e dizia quase muda, que mal conseguia ouvir os próprios pensamentos: "Calma, Rogéria, que um dia isso tudo passa!"

          Lourdes, amiga dos tempos de adolescente, aparecia de vez em quando para uma visita. E lá iam aquelas duas senhoras para o jardim, onde degustavam chá com biscoitos sortidos. Entre futilidades e coisas mais urgentes como preparativos de comemorações de aniversário de algum neto, trocavam confidências. 

          — Vida de dona de casa não tem fim, Rogéria.

          — É verdade, minha amiga.

          — Mas pior mesmo é quando o marido não dá importância às nossas dores.

       — Nem me fale, Lourdes. Vivo com dores 24 horas por dia por conta dos problemas na coluna e da fibromialgia, mas não reclamo.

          — E o Luciano sabe disso?

          — Ih, nem me atrevo a contar, pois nem adianta falar. Ele pensa que não sinto dor, pois só as dores dele que importam. Elas têm prioridade na vida dele. E isso é o que mais dói em mim!

  • Nota de esclarecimento: O conto "As dores de Rogéria" foi publicado por Notibras no dia 11/8/2024.
  • https://www.notibras.com/site/dor-do-marido-doi-mais-que-as-dores-de-rogeria/

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