quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Lesminha, o gângster e Cauby Peixoto

    

          Mal entrou na sala ao fundo do restaurante na Ceilândia, Cristiano, vulgo Lesminha, percebeu que o ambiente era muito diferente do que imaginara. Mobília simples e gasta, uma imagem de Nossa Senhora presa a um suporte na parede encardida. Ao fundo, um homem de aproximadamente 70 anos, cigarro entre os dedos, óculos de grau, cabelos grisalhos, parecia entretido com o jornal.

          O rapaz aguardou em pé, até que o velho dobrou o periódico e o depositou no canto da poltrona. Tragou duas vezes mais e, finalmente, esmagou o cigarro no cinzeiro ao lado. Mirou Lesminha e, com leve movimento do indicador e do dedo médio, mandou que ele se aproximasse.

          — Hum! Então, Cristiano, o senhor pensou mesmo que iria me roubar e que iria sair impune?

          Olhos arregalados, o sujeito não teve dúvida de que não sairia dali com vida. A mente começou a funcionar ligeiramente para escapar. Mas como? Franzino demais para enfrentar aqueles dois guarda-costas, verdadeiros armários. O gatuno também não tinha fama de ser rápido o suficiente para dar o pinote. Não à toa, carregava a sugestiva alcunha de Lesminha. 

          Enquanto matutava, Cristiano foi interrompido pela voz carregada de alcatrão.

          — Você tem algo que aprecio, Cristiano.

          O jovem voltou seus olhos argutos para o idoso. Como é que é? Afinal, o que o larápio teria que aquele gângster apreciava? Não foi necessário perguntar.

          — O seu talento para entrar e sair de locais sem ser percebido é algo incomum. 

          Sentindo-se o dono da cocada preta, Lesminha completou as palavras do dono daquele lugar.

          — Desculpe, seu Otávio, mas o senhor se esqueceu de mencionar o quão bom sou pra abrir cofres.

        — Hum! Qualquer chaveiro meia-boca abre cofres, Cristiano. Mas não conheço nenhum que consiga entrar e sair de um local sem ser notado. Essa é a sua sorte.

          — Sorte? Como assim?

          — Cristiano, Cristiano, se eu conhecesse alguém com esse seu talento, nem estaríamos tendo essa conversa. 

          Lesminha engoliu em seco. Ele bem sabia que isso significaria que aqueles dois brutamontes já teriam dado cabo dele. Deu-se por convencido e, então, não teve dúvida de que, a partir daquele momento, iria trabalhar para o maior chefe de organização criminosa da região. 

          — Cristiano, só não vá cometer o mesmo erro, pois não serei tão benevolente da próxima vez. Neste ramo, devemos ser incrivelmente bons que nem Cauby Peixoto, mas jamais parecer com ele. Discrição é tudo para não sermos notados.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Lesminha, o gângster e Cauby Peixoto" foi publicado por Notibras no dia 6/8/2025.
  • https://www.notibras.com/site/lesminha-o-gangster-e-cauby-peixoto/

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