Joana e Ruth se conheciam desde a adolescência e, talvez por isso,
tenham se tornado tão íntima a ponto das duas não terem quase segredos entre
elas. Tirando uma ou outra furada de olho recíproca, obviamente que nenhuma
sabendo da traição cometida, poderia se afirmar que eram praticamente de
confiança entre si. Quanto aos demais habitantes do planeta, não lhes era
concedida tamanha regalia.
Não eram vizinhas de porta, mas moravam no mesmo prédio em uma
das inúmeras quadras da Asa Norte, na capital do país. Por conta disso, as hoje
casadas, com filhos e até alguns netos, se viam quase todos os dias e, quando
não o faziam, se falavam para futricar um pouco. Afinal, como gostavam de
dizer, sem a fofoca, o mundo não gira.
Não fazia muito tempo, Amanda, mulher de seus
lá 30 anos, mudou-se para o edifício. Um tipo de chamar a atenção, ainda mais
porque gostava de suar a camisa diariamente na academia da esquina. Impossível
deixar de nota-la trajando aquelas roupas de cores felizes. Nada de cinza
quando se tem vermelho-cereja, laranja e, não raro, aquele roxo intenso. Sem
falar daqueles cílios postiços, que davam brilho aos enormes olhos
castanhos.
Apesar da flagrante diferença de idades,
Amanda se sentiu acolhida por Joana e Ruth. E não pense você que era algo do
tipo maternal, mas amizade entre pessoas adultas, como se as barreiras etárias
nem existissem. Tanto é que, não raro, as três se convidavam para um café da
manhã ou um chá no meio da tarde, enquanto escutavam Maria Bethânia, Gal Costa,
Alcione e Elis.
Naturalmente, Joana e Ruth passaram a dividir
os mexericos com a nova colega, que também se sentiu à vontade para
compartilhar seus sentimentos. A jovem, emocionada com aquela sensação de
acolhimento, olhou paras as duas amigas, momento em que uma lágrima furtiva
escorreu pela face.
— Ah, vocês são tão legais!
As coroas, surpresas que ficaram, se
entreolharam e, quase em uníssimo, disseram:
— É que a gente é boa em fingir.
Amanda arregalou os olhos, como se
demonstrasse arrependimento pela confissão. Joana e Ruth já esperavam por uma
frase de reprovação, quando, então, constataram que a mulher era uma delas.
— Eu também!
E as três caíram na gargalhada.
- Nota de esclarecimento: O conto "Unha e carne" foi publicado por Notibras no dia 29/8/2025.
- https://www.notibras.com/site/unha-e-carne-2/
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