sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Unha e carne

    

 Joana e Ruth se conheciam desde a adolescência e, talvez por isso, tenham se tornado tão íntima a ponto das duas não terem quase segredos entre elas. Tirando uma ou outra furada de olho recíproca, obviamente que nenhuma sabendo da traição cometida, poderia se afirmar que eram praticamente de confiança entre si. Quanto aos demais habitantes do planeta, não lhes era concedida tamanha regalia. 

          Não eram vizinhas de porta, mas moravam no mesmo prédio em uma das inúmeras quadras da Asa Norte, na capital do país. Por conta disso, as hoje casadas, com filhos e até alguns netos, se viam quase todos os dias e, quando não o faziam, se falavam para futricar um pouco. Afinal, como gostavam de dizer, sem a fofoca, o mundo não gira. 

          Não fazia muito tempo, Amanda, mulher de seus lá 30 anos, mudou-se para o edifício. Um tipo de chamar a atenção, ainda mais porque gostava de suar a camisa diariamente na academia da esquina. Impossível deixar de nota-la trajando aquelas roupas de cores felizes. Nada de cinza quando se tem vermelho-cereja, laranja e, não raro, aquele roxo intenso. Sem falar daqueles cílios postiços, que davam brilho aos enormes olhos castanhos. 

          Apesar da flagrante diferença de idades, Amanda se sentiu acolhida por Joana e Ruth. E não pense você que era algo do tipo maternal, mas amizade entre pessoas adultas, como se as barreiras etárias nem existissem. Tanto é que, não raro, as três se convidavam para um café da manhã ou um chá no meio da tarde, enquanto escutavam Maria Bethânia, Gal Costa, Alcione e Elis.

          Naturalmente, Joana e Ruth passaram a dividir os mexericos com a nova colega, que também se sentiu à vontade para compartilhar seus sentimentos. A jovem, emocionada com aquela sensação de acolhimento, olhou paras as duas amigas, momento em que uma lágrima furtiva escorreu pela face.

          — Ah, vocês são tão legais!

          As coroas, surpresas que ficaram, se entreolharam e, quase em uníssimo, disseram:

          — É que a gente é boa em fingir.

          Amanda arregalou os olhos, como se demonstrasse arrependimento pela confissão. Joana e Ruth já esperavam por uma frase de reprovação, quando, então, constataram que a mulher era uma delas.

          — Eu também!

          E as três caíram na gargalhada.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Unha e carne" foi publicado por Notibras no dia 29/8/2025.
  • https://www.notibras.com/site/unha-e-carne-2/

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