O luxuoso escritório, localizado na área
central da capital, só recebia com horário marcado. É verdade que, quando a
solicitação vinha do alto escalão, abria-se providencial brecha. E foi
justamente por conta disso que o telefone tocou naquela manhã carregada de
nuvens, relâmpagos e trovoadas, mas nem mesmo um mísero pingo de chuva.
— Sim, pode falar para o deputado que já
agendei para o primeiro horário logo após o almoço.
— Obrigado mais uma vez, Sônia.
A secretária, ciente de que aquele atendimento demandaria mais
tempo, refez a agenda do Dr. Laurentino. Nada além do que uma ou duas horas de
postergação de outra consulta, já que o escritório só pegava causas
milionárias.
No horário marcado, lá estava o deputado acompanhado de dois
assessores. Sônia avisou o advogado que a autoridade havia chegado.
— Por favor, Sônia, traga-o aqui.
Enquanto acompanhava o deputado até a sala
do Dr. Laurentino, ela não deixou de notar que os dois outros homens
apresentavam volumes do lado direito da cintura. Ela não teve dúvida de que
ambos estavam armados e, obviamente, eram destros.
Assim que entrou na sala, o deputado foi
recebido com um sorridente advogado, como se velhos amigos fossem.
— Deputado, como vai o senhor? Há quanto
tempo!
— É verdade, doutor.
— E o que traz o senhor aqui no meu humilde
escritório?
O deputado, ao ouvir aquelas palavras, não pôde deixar de
notar certo talento para política no advogado. Humilde? Não. Mas o que são dois
ou três quadros de artistas renomados pendurados nas paredes diante da firmeza
daquela voz? Vale é o que foi dito e não visto, pensou.
Servido de café, o deputado falou sobre o
seu imbróglio com a Receita Federal. E, após mais de uma hora de conversas, o
advogado explicou a situação e disse qual seria o melhor caminho a ser tomado.
O político pareceu satisfeito e agradeceu.
— Então, doutor, vai pegar a causa?
— É claro, deputado. Temos grandes
chances.
Apertaram as mãos e, antes de sair, o
deputado perguntou se poderia tomar mais uma xícara de café. Logo em seguida,
lá estava a secretária com duas garrafas de café.
— Doutor, preciso saber qual é a marca desse
café, que é delicioso.
— Vou pedir para Sônia dar dois pacotes para
o senhor, deputado.
— Muito obrigado. Mas por que o senhor
sempre toma café dessa outra garrafa? Posso provar desse também?
— Poder até pode, deputado, mas não recomendo.
— Pois eu faço questão!
—
Se o senhor insiste. Por favor, Sônia, sirva ao nosso nobre deputado.
Mal
provou o café, o deputado o cuspiu.
—
Que porcaria de café! Como é que o senhor consegue tomar isso?
— É
que preciso manter as minhas raízes, caro deputado. Caso contrário, sucumbiria
na primeira ventania.
- Nota de esclarecimento: O conto "O advogado, o deputado e o café" foi publicado por Notibras no dia 26/8/2025.
- https://www.notibras.com/site/o-advogado-o-deputado-e-o-cafe/
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