quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Entre pecados e confissões

    

Não sabia exatamente o motivo, mas percebia que certos encontros casuais a impulsionavam para algo mais, como se, já no primeiro instante, na primeira troca de olhares, antes mesmo que palavras fossem ditas, a certeza de que aquele momento iria se prolongar a invadisse. Rosana nem se dava ao trabalho de contestar seus instintos. Deixava-se levar pelo pensamento, que, não raro, desencadeava em devaneios. 

          Enquanto tomava um Chicabon, chegou a se imaginar personagem de certo Nelson. Não era engraçadinha, mesmo porque certamente era mais atrevida. E não se intimidava, seja qual fosse o interlocutor.

          — Sabe, padre Antônio, o senhor bem sabe que não perco uma missa aos domingos, mas há coisas mais entranhadas no meu ser do que religião. 

          — Minha filha, o pecado está em toda parte.

          — E eu não sei disso, padre Antônio? Ainda bem que rezar me permite dormir com a consciência tranquila.

          O sacerdote escutava as palavras da devota de Santa Rita de Cássia e, então, balançava a cabeça em sinal de "fazer o quê?". Melhor seria que a mulher parasse de pecar, mas, caso o fizesse, era provável desaparecer da igreja. Sem contar que as contribuições, apesar de não serem exorbitantes, se faziam importantes em tempos de debandada. Por outro lado, padre Antônio até se divertia, obviamente sem deixar transparecer seus sentimentos, com as aventuras amorosas da doidivana. 

          Certa feita, Rosana faltou à missa dominical. Padre Antônio não deixou de notar sua ausência, já que ela sempre ocupava o assento mais ao centro da primeira fileira à esquerda. O que teria acontecido à mulher? Teria viajado? O religioso pensou, pensou e concluiu que ela avisaria. Quem sabe, então, uma doença? Era uma hipótese plausível, e o padre pensou em rezar para a pronta recuperação da fiel.

          E lá foi o homem se ajoelhar ao lado da cama antes de dormir. Entretanto, um pensamento mórbido lhe passou pela mente. Será que Rosana teria sido vítima de algo pior? Aparentemente, a mulher gozava de boa saúde, mas vá que tenha sido fatalmente atingida por um carro desgovernado? Não era impossível, ainda mais quando o trânsito estava cada vez mais caótico na cidade, sem contar a flagrante imprudência de boa parte dos motoristas. 

          Padre Antônio procurou desfazer aquele terrível pensamento, mas a mente tem lá suas artimanhas. E a situação se agravou quando chegou o domingo seguinte. Nada da Rosana dar as caras. De tão perturbado ficou o sujeito, que alguns presentes, na certa preocupados, foram lhe falar.

          — Padre Antônio, o senhor está bem?

          — Sim, Eulália.

          — O senhor tem certeza?

          — Tirando as incertezas deste mundo, Judite, creio que sim. 

          No dia seguinte, quando o padre abriu as portas da igreja, eis que percebeu uma carta no piso gélido. Ele tomou a missiva em suas mãos e logo constatou o nome da remetente: Rosana Maria da Silva Oliveira. O endereço estava incompleto, mas o carimbo dos Correios apontava um município de Goiás, divisa com o Distrito Federal. 

          Curioso, padre Antônio abriu a carta e se deparou com uma confissão. Rosana disse que precisou sair corrida da cidade, pois havia sido flagrada com o marido de uma conhecida, frequentadora da mesma igreja. Fugiu para não apanhar, mas pedia para se confessar semanalmente através de cartas. E é assim que a mulher continua repousando tranquilamente a cabeça sobre o travesseiro e, em seguida, adormece como um anjo nas noites solitárias bem pertinho da capital do país. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Entre pecados e confissões" foi publicado por Notibras no dia 14/8/2025.
  • https://www.notibras.com/site/entre-pecados-e-confissoes/

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