Não sabia exatamente o
motivo, mas percebia que certos encontros casuais a impulsionavam para algo
mais, como se, já no primeiro instante, na primeira troca de olhares, antes
mesmo que palavras fossem ditas, a certeza de que aquele momento iria se
prolongar a invadisse. Rosana nem se dava ao trabalho de contestar seus
instintos. Deixava-se levar pelo pensamento, que, não raro, desencadeava em
devaneios.
Enquanto tomava um Chicabon, chegou a se imaginar
personagem de certo Nelson. Não era engraçadinha, mesmo porque certamente era
mais atrevida. E não se intimidava, seja qual fosse o interlocutor.
— Sabe, padre Antônio, o senhor
bem sabe que não perco uma missa aos domingos, mas há coisas mais entranhadas
no meu ser do que religião.
— Minha filha, o pecado está em
toda parte.
— E eu não sei disso, padre
Antônio? Ainda bem que rezar me permite dormir com a consciência tranquila.
O sacerdote escutava as palavras
da devota de Santa Rita de Cássia e, então, balançava a cabeça em sinal de
"fazer o quê?". Melhor seria que a mulher parasse de pecar, mas, caso
o fizesse, era provável desaparecer da igreja. Sem contar que as contribuições,
apesar de não serem exorbitantes, se faziam importantes em tempos de debandada. Por outro lado, padre Antônio até se divertia, obviamente sem deixar transparecer
seus sentimentos, com as aventuras amorosas da doidivana.
Certa feita, Rosana faltou à
missa dominical. Padre Antônio não deixou de notar sua ausência, já que ela
sempre ocupava o assento mais ao centro da primeira fileira à esquerda. O que
teria acontecido à mulher? Teria viajado? O religioso pensou, pensou e concluiu
que ela avisaria. Quem sabe, então, uma doença? Era uma hipótese plausível, e o
padre pensou em rezar para a pronta recuperação da fiel.
E lá foi o homem se ajoelhar ao
lado da cama antes de dormir. Entretanto, um pensamento mórbido lhe passou pela
mente. Será que Rosana teria sido vítima de algo pior? Aparentemente, a mulher
gozava de boa saúde, mas vá que tenha sido fatalmente atingida por um carro
desgovernado? Não era impossível, ainda mais quando o trânsito estava cada vez
mais caótico na cidade, sem contar a flagrante imprudência de boa parte dos
motoristas.
Padre Antônio procurou desfazer
aquele terrível pensamento, mas a mente tem lá suas artimanhas. E a situação se
agravou quando chegou o domingo seguinte. Nada da Rosana dar as caras. De tão
perturbado ficou o sujeito, que alguns presentes, na certa preocupados, foram
lhe falar.
— Padre Antônio, o senhor está
bem?
— Sim, Eulália.
— O senhor tem certeza?
— Tirando as incertezas deste
mundo, Judite, creio que sim.
No dia seguinte, quando o padre
abriu as portas da igreja, eis que percebeu uma carta no piso gélido. Ele tomou
a missiva em suas mãos e logo constatou o nome da remetente: Rosana Maria da
Silva Oliveira. O endereço estava incompleto, mas o carimbo dos Correios
apontava um município de Goiás, divisa com o Distrito Federal.
Curioso, padre
Antônio abriu a carta e se deparou com uma confissão. Rosana disse que precisou
sair corrida da cidade, pois havia sido flagrada com o marido de uma conhecida,
frequentadora da mesma igreja. Fugiu para não apanhar, mas pedia para se
confessar semanalmente através de cartas. E é assim que a mulher continua
repousando tranquilamente a cabeça sobre o travesseiro e, em seguida, adormece
como um anjo nas noites solitárias bem pertinho da capital do país.
- Nota de esclarecimento: O conto "Entre pecados e confissões" foi publicado por Notibras no dia 14/8/2025.
- https://www.notibras.com/site/entre-pecados-e-confissoes/
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