Estava eu batendo perna ali na Asa Norte,
altura da 709, onde casas se enfileiram de modo retilíneo pelas ruas, quando me
deparei com uma situação, no mínimo, inusitada. Um cachorro. Pois é, um
cachorro! Mas não pense você que era um desses cachorros comuns, tipo poodle ou
vira-lata, mas um pequinês.
Foi como se aquela visão me transportasse para minha longínqua
infância, quando precisava correr mais do que o Sansão, o pequinês destruidor
de calcanhares da rua. O destemido animal não media esforços para parecer um
leão, mesmo que tivesse a pequenez de um pequinês. Seja como for, ninguém se
atrevia a enfrentá-lo, ainda mais porque aquela miniatura de Satanás costumava
vir embalado com os dentes à mostra.
— Não precisam ter medo. O Sansão é um amor.
Incapaz de morder alguém.
Hum! Essa era a dona Letícia, que, àquela
altura, me parecia ser a pessoa mais velha do planeta ou, ao menos, do bairro.
Até hoje me pergunto se ela falava aquilo por mero desconhecimento, ingenuidade
ou, não duvido, cumplicidade. Seria aquela velha uma sádica?
— Dona Letícia é uma boa mulher,
Julinho.
— Mas, mamãe, como alguém pode ser bom
convivendo com o Diabo em cachorro?
— Você tem que entender, meu filho, que o
Sansão é a única companhia da dona Letícia.
Por mais que minha mãe tentasse me convencer
daquilo, o medo de tomar uma dentada daquele Cérbero de apenas uma cabeça
parecia me afastar de qualquer empatia por dona Letícia. E, enquanto revivia
aquele filme de parte da minha infância, eis que o tal pequinês de agora começou
a latir insistentemente.
Olho para o cachorro e, em seguida para a sua
dona, que devia regular em idade comigo. Ela sorri e, então, se dirige a mim.
— Ah, me desculpe. O Sansão é muito ciumento,
mas, no fundo, é um doce. Incapaz de morder alguém.
- Nota de esclarecimento: O conto "Sansão, o pequinês" foi publicado por Notibras no dia 1º/7/2025.
- https://www.notibras.com/site/sansao-pequines-da-vizinha-adorava-morder-calcanhar/
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