As pessoas, às gargalhadas, brindavam pela enésima vez os dez anos de formatura. Vinte e três antigos colegas, nove homens, quatorze mulheres, alguns acompanhados de marido, esposa, filhos, relembravam a época de faculdade, quando estudavam na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Os grupinhos se repetiam como
nos velhos tempos. Num dos cantos, duas colegas que não se viam
desde então, talvez devido aos caminhos que suas vidas tomaram. Ingrid, 33
anos, cabelos escuros e encaracolados, cortados na altura do queixo, morena
clara, 1,58 m, 52 quilos, quadril largo, seios de limão, mas limão
doce. Josiane tinha a mesma idade, um pouco mais alta, o mesmo peso,
branca, cabelos longos, lisos e dum castanho escuro como os da amiga, não tão
provida de bumbum, mas com os seios maiores, belos, não tão firmes, já havia
parido algumas vezes.
— O que você tem
feito nesses anos, Ingrid?
— Josiane, me
transformei numa máquina. Não paro de trabalhar nem um minuto
sequer. E você?
— Ah, casei, tive
três filhos... Virei uma verdadeira dona de casa – respondeu Josiane
com uma ponta de amargura. Ela viera sozinha à festa, seu casamento
há muito sobrevivia aos trancos e barrancos apenas em virtude da tão decantada
fachada; o marido e os filhos estavam em férias na casa da sogra, que morava em
Cabo Frio – RJ.
Aos poucos as pessoas iam
embora, alguns com o nível alcóolico um pouco elevado, mas nada que fugisse do
padrão dessas ocasiões. Ingrid quis continuar o bate-papo com a
antiga colega de turma e a convidou para tomar a última dose em seu apartamento
em Botafogo, bairro da Zona Sul do Rio. No trajeto, as duas relembraram outros
fatos ocorridos no tempo em que ainda eram estudantes.
Chegaram ao apartamento por
volta das 2h da madrugada. Ingrid foi pegar duas latas de cerveja e
duas tulipas. Colocaram um CD no aparelho de som. A voz
de Sam Cooke ecoou suavemente pelo pequeno apartamento da rua Voluntários da
Pátria. Josiane, num ímpeto de voluptuosidade, talvez embalada pelo
já não modesto nível alcóolico, tirou a amiga para dançar.
— Já que não temos um
cavalheiro no salão, a senhorita aceita a próxima contradança?
— Com todo prazer, minha cara
Jojô – Ingrid respondeu soltando uma gostosa gargalhada.
As duas amigas começaram a
dançar, seus corpos, cobertos por vestidos longos, um azul piscina, outro
vermelho com detalhes brancos, tremiam a cada roçar das coxas, as mãos se
tocavam como as de duas meninas brincando de adoleta. Tudo se encaminhava para
uma troca de carícias, o que não demorou a acontecer, inicialmente tímida, gradativamente
foi ganhando desenvoltura, um beijo de selinho surgiu, entremeado de sorrisos
marotos, até explodir num toque de bocas mais nervoso, excitando cada pedaço
daqueles corpos sedentos de amor. Não era a primeira vez que Ingrid e
Josiane sentiam o corpo de outra mulher, já havia acontecido algumas vezes no
passado. As duas se amaram ternamente.
Despertaram por volta do meio-dia,
se entreolharam e sorriram, talvez um pouco envergonhadas pelo ocorrido na
noite anterior. Mas nada que durasse mais do que alguns míseros
minutos, logo estavam tão íntimas que resolveram tomar uma ducha antes de
fazerem o café da manhã. Ingrid ensaboou o corpo da amiga, que
retribuiu o gesto. O beijo não demorou a acontecer, despertando os
instintos mais carnais das duas. Era domingo... e o tempo não
convidava para uma praia.
Prepararam um grande dejejum, digno
de duas amantes apaixonadas. Comeram entremeadas de beijos, toques por debaixo
da mesa. Josiane pegou uma ameixa e a colocou nos lábios carnudos de Ingrid. Esta
não se fez de rogada, deu uma mordiscada e um sorriso maroto. Josiane pegou o
que sobrou da fruta e a devorou.
— Nunca pensei que você fosse
tão saborosa, Ingrid.
— Jojô, desse jeito você me
deixa envergonhada.
E tudo era motivo de mais um
beijo, mais uma carícia...
Enquanto preparavam o almoço,
pincelavam o passado, ora com saudosismo, ora com despeito, ora com
angústia. Esses sentimentos tiveram quando Josiane tocou em um
assunto, esquecido há muito: a morte do professor José Carlos, da cadeira de
Patologia Clínica.
— Você se lembra do professor
Zé Carlos?
— Aquele que morreu?
— Ele mesmo.
— O que tem ele, Jojô?
— Ah, era um gato!
— É, isso era
mesmo. Tinha um monte de alunas atrás dele. Mas por que
você tocou no nome dele agora? Não vai me dizer que você também...
— É, saí algumas vezes com
ele.
— Jura?
— Juro. E ele era o
máximo! Pena que era um galinha.
— Ele saía com outras meninas?
— Sei que ele comeu a Graciele
e a Renata.
— A Renata da nossa
turma? Aquela que vivia falando pra Deus e o mundo que era virgem e
coisa e tal?
— A própria. E
você, Ingrid, nunca teve alguma coisa com ele?
— Eu? Por que eu
teria?
— Ah, não sei... O
Zé Carlos era tão atraente, todas as meninas tinham uma quedinha por ele.
— Não!!! Nunca saí
com o Zé Carlos! Ainda mais porque na época eu estava namorando o
Bernardo.
José Carlos foi encontrado
após ficar alguns dias desaparecido. Os vizinhos reclamaram do mau
cheiro vindo do apartamento do professor. O corpo foi encontrado
caído no banheiro. Morreu afogado no próprio vômito.
— O Zé Carlos teve uma morte
horrível, né, Ingrid?
— Nem gosto de
lembrar. Por que a gente não muda de assunto?
— Desculpe, só estava
lembrando... Você viu como o Vicente está bonito? Nem parece
mais aquele ser de outro planeta.
— É mesmo. Se tem alguém
que deu uma melhorada nesses dez anos foi o Vicente. Se bem que você está
linda, Jojô.
Retiraram o suflê de espinafre
do forno. Havia também arroz, frango grelhado e salada de alface,
tomate e palmito. Brindaram com suco de uva, que beberam em cálices de
vinho tinto.
À tarde, Ingrid pegou alguns álbuns
de fotografia. Fotos do tempo de criança, fotos de viagens, fotos da
turma da Rural. Algumas receberam atenção especial, comentários ora
longos, ora nem tanto. Umas dessas foram as do tempo de faculdade,
inclusive duas ou três onde aparecia o professor de Patologia Clínica, o que
fez com que as amantes voltassem, por alguns minutos, não mais do que isso, ao
assunto que tanto parecia desagradar a Ingrid. Outras foram passadas sem
muito interesse, mereceram nada mais do que uma olhadela.
Depois de passarem um bom par de
horas vendo as fotografias, Jojô deu um beijo surpresa na amiga, um típico beijo
roubado, próprio dos casais enamorados. As duas deixaram-se levar
pela excitação e voltaram a se amar no tapete da sala, ali mesmo onde até então
se deliciaram com as imagens do passado.
— Jojô, e como vai a vida de
casada?
— Ah, a gente vai empurrando
com a barriga.
— Você ainda ama seu marido?
— Não, amar eu não
amo. Até sinto certo desprezo por ele. Mas o que posso
fazer? Abandonei a carreira quando engravidei, depois
casei. Fui pegando gravidez uma atrás da outra... Hoje
levo uma vida como a da minha mãe, que finge gostar do meu pai.
— E você ainda transa com seu
marido?
— É aquela coisa,
Ingrid... Ele me cutuca, eu abro as pernas, ele mexe um pouco, goza,
dou uns gritinhos tipo “ai”, “ui” e pronto. Minha vida é isso.
— E você nunca o traiu?
— Duas vezes. Uma
com o Fábio. Lembra do Fábio?
— Aquele que morava no
Flamengo?
— É esse mesmo. Mas
foi uma coisa rápida, não durou mais do que dois, três meses. Pensei
que estava apaixonada, me enganei. Depois saí com um cara que vivia
me cantando. Era até conhecido do meu marido. Saímos
apenas duas vezes. E foi ótimo! Mas ele é
casado... Não dava pra continuar. Mas e
você? Aposto que tem um monte de homem atrás de você?
— Alguns... Não
saio com alguém há mais de seis meses. O último foi um
advogado.
— E?
— Não durou muito tempo. Ele
é casado e, além do mais, não me satisfazia na cama – sorriu com um certo ar de
deboche.
— Nossa, Ingrid, você é mesmo
fogo! – e as duas gargalharam.
Havia uma cumplicidade entre
as duas, própria de meninas, própria de mulheres.
— Mas você nunca pensou em se
casar? – perguntou Josiane.
— Ah, não sei se conseguiria
dividir minha vida com alguém. Gosto de liberdade, de não dar
satisfação da minha vida pra quem quer que seja, e não apareceu alguém que
mexesse comigo de verdade. Então, prefiro ficar sozinha até o meu
príncipe encantado aparecer.
À noite, também ficaram juntas,
não foram à rua, não queriam dividir o momento mágico que estavam
tendo. Continuaram se amando de todas as formas que duas mulheres
podem se amar. Dois corpos de mulheres vivendo momentos de
adolescentes.
— Você tem um cheiro tão bom,
Jojô!
— ...
— Hum, e o seu gosto é melhor
que sorvete de morango!
— Sorvete de morango, Ingrid?
— É que adoro sorvete de
morango!
Já era de madrugada, Ingrid
acariciava os longos cabelos da amiga, que estava com a cabeça em seu
colo.
— Amanhã tenho de acordar cedo
– disse Ingrid.
— Então, vamos dormir.
— Estou sem sono, Jojô.
— Pensando em quê?
— Em nada!
— Como você consegue pensar em
nada?
— Estou pensando na vida,
Jojô.
— ...
— Você sabe por que nunca me
casei?
— ... – Josiane apenas
balançou a cabeça negativamente.
— Jojô, eu tive um grande
amor.
— E eu o conheço?
— ...
— É alguém da Rural?
— ...
— Ingrid, se você não quer
falar, tudo bem. Você quer conversar sobre isso?
Ingrid olhou dentro dos olhos
da amante e as lágrimas não demoraram a escorrer pela sua face.
— Ei, Ingrid, o que
foi? Não fique assim, meu amor – Josiane encostou seus lábios nos da
amiga.
— Não consigo
deixar de pensar no Zé Carlos – confidenciou Ingrid, entre soluços.
Josiane ficou muda,
estática. Ela não acreditava no que estava
ouvindo. Ingrid tivera um caso com o professor José
Carlos? Não era possível!
— Nós éramos namorados, íamos
nos casar – continuou Ingrid.
Sim, Ingrid tivera um caso, ou
melhor, mais que um simples namorico com o professor de Patologia
Clínica. “Então era ela a tal mulher por quem Zé Carlos estava
apaixonado”, pensou Josiane. Um frio percorreu sua espinha, ela não
podia acreditar que estava vivendo tudo de novo. Sua expressão mudou de
tal maneira que Ingrid chegou a perguntar se a amiga estava passando bem.
— Não... Estou
bem. Só fiquei um pouco surpresa – Josiane tentou disfarçar.
— O Zé Carlos e eu íamos nos
casar durante as férias da Rural. Ele até já tinha ido à casa dos
meus pais. Todos na minha família já sabiam.
— Agora entendo o porquê de
você ficar tão incomodada quando toquei no nome dele pela manhã.
— É... Fiquei
relembrando tudo que aconteceu, a forma como ele morreu, como o encontraram –
disse Ingrid entre um soluço e outro.
— Ei, Ingrid, isso já foi há
muito tempo. Não é possível que você não tenha se apaixonado depois
disso.
— Jojô, já saí com vários
homens, alguns até bem interessantes, mas não consigo tirar o Zé Carlos da
cabeça. Ele sempre aparece em meus sonhos. Eu ainda o
amo!
— Mas você ainda é tão
jovem... e tão linda.
– O que me vale ser jovem e
linda se não tenho o homem que amo? Já pensei em me matar pra ficar
perto dele, mas sou uma covarde.
— Você não é
covarde. E deixa de bobagem, você não pode fazer uma loucura
dessa. Onde já se viu uma mulher linda e cheia de vida como você
querer fazer uma besteira dessas? Levante a cabeça, Ingrid!
Josiane abraçou a amiga, que
chorou em seu ombro. Uma certa angústia tentou se instalar no
coração de Josiane, mas foi logo afastada por uma estranha sensação de
felicidade. Finalmente ela estava vingada!
O despertador tocou às 7h. As duas amantes acordaram quase ao mesmo
tempo. Os raios de sol entram no quarto através das frestas da
cortina entreaberta. Ingrid precisava se arrumar para ir trabalhar
no consultório veterinário ali mesmo em Botafogo. Josiane voltaria
para a sua realidade, a mesma realidade que tanto a angustiava.
Enquanto Josiane tomava banho,
Ingrid foi preparar o café da manhã. É quase o mesmo dejejum
do dia anterior. Quase...
— Você se lembra? – Ingrid
perguntou à amiga apontando para uma garrafa com um líquido marrom.
— O que é isso, Ingrid?
— Prove.
Jojô pegou a garrafa, retirou
a rolha, aproximou o nariz e sentiu o odor característico de cachaça e
chocolate.
— Batida de bombom? – perguntou
Josiane de olhos arregalados.
— Batida de
bombom! Você se lembra? A gente tomava litros.
— É... – Josiane continuou
desconfiada.
Depois do dejejum acompanhado de um gole de batida de bombom, as duas
amantes se despediram com um beijo apaixonado. Talvez nunca mais
voltariam a ter momentos como os vividos nas últimas horas. Quem
sabe na próxima reunião da turma...
Josiane ainda tem o gosto da
batida de bombom na boca. O gosto da aguardente misturado ao doce do
chocolate a fez lembrar do ocorrido há tantos e tantos anos. Foi
justamente na batida de bombom, que ofereceu ao professor de Patologia Clínica,
que ela misturou a cocaína. Ela havia descoberto que Zé Carlos, por
quem era apaixonada, estava saindo com uma outra mulher. Ele havia
terminado com Josiane, mas esta não se conformou. Ela provocou uma
overdose no ex-amante, assassinando-o. E, até a manhã de hoje, Josiane não
sabia o nome da tal mulher por quem Zé Carlos havia se apaixonado.
- Nota de esclarecimento: O conto "Batida de bombom" foi publicado por Notibras em formato de folhetim entre os dias 10 e 12/7/2025.
- https://www.notibras.com/site/reencontro-em-festa-de-formatura-dara-o-que-falar/
- https://www.notibras.com/site/amor-aflora-e-ingrid-e-jojo-agora-amantes-soltam-a-libido-ao-som-sam-cooke/
- https://www.notibras.com/site/josiane-viaja-no-tempo-ate-o-dia-da-morte-do-professor-com-uma-overdose/
Nenhum comentário:
Postar um comentário