quarta-feira, 2 de julho de 2025

Lauro, o desprovido de brio

   

        Cheiro de medo. Apesar de nunca ter escutado aquilo, logo reconheceu que não poderia ser outra coisa e, por isso, tratou de absorver aquele sentimento de maneira natural, sem demonstrar a fraqueza que lhe era tão própria. Não que o heroísmo fosse algo pertinente ao seu ser, mas a covardia, apesar de conhecida, precisava ser camuflada para não se tornar presa fácil.

       Lauro, era esse o nome do sujeito, terceiro filho macho de Gumercindo Lisboa, afamado matador de aluguel da região de Brazlândia, quase Goiás, mas ainda Distrito Federal. Longe de ter herdado a braveza do pai, era o menos afeito dos irmãos a rompantes de enfrentamento, sempre preferindo apaziguar os ânimos e, assim, evitar pendengas desnecessárias. O homem não estava de todo errado, ainda mais porque aquela área era tomada de apagamentos de registros naturais, o que abarrotava os bolsos do proprietário da única funerária da cidade. 

         Não pense você que, por ser desprovido de coragem, Lauro fosse capaz de se livrar de todos imbróglios. Não por falta de vontade, diga-se de passagem, mas por mera exposição do fato, que grudava que nem batom de moça-falada na boca do povo. Desse modo, não tinha como se esquivar do embate, por mais pessimistas que fossem as chances de sair, ao menos, vivo. 

          E o que se deu, e olha que se deu de fato, se deu por um desses acasos tão improváveis como ganhar na loteria. E, caso o azar de Lauro fosse proporcional à sorte do novo milionário, a premiação certamente estaria acumulada.

          Coitado! Antes tivesse provocado a desfeita de não ir à festa junina na casa do seu Alfredo, poderoso fazendeiro local, lá pelos idos de 1972. Antes não tivesse também aceitado o convite de Rosinha para um arrasta-pé. Pelo menos, se antes Rosinha não fosse comprometida com Damião, pernambucano de Garanhuns, pistoleiro tão temido quanto Gumercindo. Por quê? Por que essas coisas de tantos antes se, pelo menos e sei lá mais o quê? 

          Inocente? Talvez. Puro? Nananinanão! Besta? Certamente. O fato é que o assustadiço Lauro foi desafiado pelo encolerizado namorado da quase donzela. E, sem ter para onde correr, teve que aceitar o ingrato destino. Entretanto, no entanto e todavia, não deixou barato.

            — Enfrento, sim, senhor! Mas nas minhas condições?

            — Oxente! Que condições, cabra?

            — Hoje é dia de Santo Antônio. Não é dia de duelar.

            — Tá com medo, é?

            — Que medo que nada! Sou é homem!

            — Então?

            — Então o quê?

            — Pois quando vai ser?

            — Amanhã, pouco antes do meio-dia. E que seja rápido, pois não gosto de atrasar pro almoço. 

             O duelo foi marcado em frente ao Santuário Menino Jesus de Praga, que acabara de ser construído. E, quando beirava as 10h, os curiosos já começavam a chegar. Às 11h30, foi a vez de Damião se aproximar montado em um belo mestiço tordilho. 

               O desafiante, antes de apear do cavalo, deu uma boa olhada ao redor. Apertou os olhos e nada do Lauro. Cadê aquele covarde? Nem sinal. Não apareceu naquele dia nem nunca mais. Escafedeu-se e, ainda por cima, levou a Rosinha com ele. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Lauro, o desprovido de brio" foi publicado por Notibras no dia 2/7/2025.
  • https://www.notibras.com/site/o-dia-em-que-lauro-covarde-de-carteirinha-foi-desafiado-por-valentao/

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