sábado, 19 de julho de 2025

O misterioso sumiço de Gláucia e Antunes

 

            Não se sabe ao certo o que fazia de Gláucia uma mulher desejada por tantos. Arrisco a dizer que era a completa falta de disfarces para pecar. Não que fosse mundana, mas sabia o ponto certo para que nem o mais puritano dos homens a acusasse de errática. No máximo, o sujeito ficava como se estivesse diante de uma prova de física quântica. Não fazia ideia do que seria aquilo, mas certamente percebia que ali havia algo especial. 

          Um metro e cinquenta e nove, sem arredondamento para cima. Ademais, tal acréscimo nem era necessário, mesmo porque na horizontal todos os corpos se encaixam perfeitamente. As curvas perigosas, com todas as sinuosidades desejáveis, não eram páreas para o sorriso, cujos dentes sensualmente desalinhados faziam qualquer um perder o senso. 

          Gláucia desfez um noivado quase ao pé do altar. Não que fosse o dela com Júlio, que andava a passos largos para romântica lua de mel na aprazível praia de Itapuama, em Cabo de Santo Agostinho-PE. O quase enlace foi o de uma prima, Eleonora, cujo noivo, Antunes, ao colocar os olhos sobre Gláucia, se viu perdidamente apaixonado. 

          Eleonora, ao perder o futuro marido, se viu sem chão. Pior mesmo foi ter que lidar com o misterioso sumiço da prima. O falatório pegou força e tomou conta de todas as calçadas de Brasília. Afinal, teria a moçoila fugido com Antunes? Bem, essa era a principal suspeita da época, ainda mais porque o sujeito também havia desaparecido ao mesmo tempo. Mas o caso se mostrou mais complexo do que quase todos consideravam.

          Bem, tirando a polícia, que na maioria dos casos acerta por imaginar o óbvio, dessa vez parece que errou feio. Santino, o investigador encarregado do caso, cismou que Antunes e Gláucia teriam fugido para Pirenópolis. E lá foi o policial para a famosa cidade goiana. 

          Nem sinal do suposto casal de adúlteros, mas nada que impedisse Santino de perambular pelo local e, depois de rodar por alguns bares, conseguir passar duas noites aos beijos e abraços com alguma desgarrada. Teve que inventar tantas desculpas, que o delegado Rupereta, sabedor das puladas de cerca do investigador, ordenou que o retorno fosse para ontem. Só espero que a mulher do gajo não descubra. 

          Sem pistas do que pudesse ter acontecido com a sua noiva, Júlio imaginou que ela, talvez, teria sido raptada por Antunes, que certamente possuía passagem na polícia. Por sorte, Júlio era vizinho de porta do delegado Rupereta, que já havia revirado a vida do sujeito. Nada. Nadica de nada. O então futuro marido de Eleonora se encaixava perfeitamente no perfil de coroinha, de tão ilibada era a sua reputação.

          — Rupereta, mas será que o Antunes não poderia ter escamoteado uma vida inteira para, finalmente, cometer um delito que ninguém suspeitaria?

          — Júlio, meu amigo, esquece. O cara nasceu sem duas coisas na vida.

          — O quê? Como assim?

          — Tutano e coragem. 

          Por sua vez, Eleonora, apesar da enorme carga de emoção, parecia a mais racional. Coincidência. Pura coincidência. Nada mais do que coincidência. Imagine você dois balões em pontos distintos de uma cidade. Pois bem, de repente, esses balões são soltos ou se desprendem das mãos de quem os seguram. E lá vão os balões, cada vez mais alto, mais alto... Tão alto, que ninguém mais os vê, até que pressão a atmosférica fica mais baixa do que a no interior dos balões, que inflam, inflam, inflam... E bum! Acabaram-se os balões. 

          A verdade é que todos erraram. Mas não os culpo, já que Gláucia e Antunes mal se conheciam, e, até onde consta, não possuíam desejos escamoteados por máscaras impostas pela sociedade. Ademais, o delegado Rupereta não estava de todo errado quanto à índole do noivo de Eleonora, cuja inteligência era algo a se desejar, sem contar a notória covardia até mesmo diante de uma barata. 

          Rupereta ou não sabia ou não quis contar algo que pudesse abalar seu amigo. Seja como for, o que de fato aconteceu entremeava as diversas versões. Em primeiro lugar, Gláucia e Antunes não haviam fugido, muito menos para Pirenópolis, local tão próximo a Brasília, que poderiam ser descobertos por algum conhecido. 

          Antunes, definitivamente, não havia fugido, mas não se pode afirmar o mesmo em relação à Gláucia, que andava estressada com a possibilidade de se prender ao Júlio. Não que ela não o amasse, mas casamento lhe parecia algo sufocante demais para seu estivo de vida. 

         Outra falha nas tentativas de adivinhações é que Antunes não teria sequestrado Gláucia. Quer dizer, não fora ele o autor do sequestro, que realmente aconteceu. O criminoso era Pedro, antigo namorado rejeitado pela lindona, que, exatamente neste momento, conseguiu escapar de seu cativeiro, localizado na Ceilândia. 

            Pois é, mistério resolvido, fico por aqui. Então, até outra oportunidade. O quê? Ah, tá! Quer saber o que aconteceu com o Antunes? Hum! Acredite ou não, o gajo saiu apenas para comprar cigarros. Será que volta?

  • Nota de esclarecimento: O conto "O misterioso sumiço de Gláucia e Antunes" foi publicado por Notibras no dia 19/7/2025.
  • https://www.notibras.com/site/os-intrincados-desparecimentos-da-noiva-de-um-e-do-noivo-da-outra/

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