quarta-feira, 30 de julho de 2025

Altair, o esnobe

        

               Não temia o desprezo, mas algo muito pior o afligia como se fosse mais grave do que a própria morte. Afinal, alguém perderia o próprio tempo para se lembrar dele? Justamente o ser alheio ao mundo ao seu redor, muito mais preocupado com o próprio umbigo do que, talvez, enxugar as lágrimas que, porventura, escorressem por faces conhecidas.  

               Altair Cordeiro, cujo hábito era agir na surdina que nem lobo, não perdia nem um mísero minuto do seu dia para cuidar das aflições alheias. Era todo voltado para o seu íntimo, como se nada mais importasse. Nem mesmo um bom-dia sincero, quando os olhares se cruzam. Meras formalidades não pareciam interessar o sujeito.

               No prédio onde residia, bem ali na Asa Norte, era vizinho de porta de Adelaide, cuja viuvez havia levado o marido, mas compensado com uma bela pensão. Não que ela pudesse fazer estripulias com o dinheiro, até porque os remédios que precisava tomar por causa dos problemas que surgiam a todo instante por conta da idade faziam questão de torná-la comedida, o que não quer dizer que fosse mão de vaca.

               Comedida, sim, mas apenas em relação às finanças, pois a velha esbanjava bom humor. E, assim que esbarrava com algum morador ou funcionário do edifício, abria aquele sorriso sincero. 

               — Bom dia, seu José!

               — Bom dia, dona Adelaide!

               — Bom dia, Maria!

               — Bom dia, dona Adelaide!

               — Mas que cachorrinho mais lindo!

               — Oi, dona Adelaide! Este é o Pitoco.

               — Bom dia, Pitoco!

               — Au, au, au, au!

               — Parece que o Pitoco gostou da senhora, dona Adelaide.

               — Ah, ele é muito lindo! Qual é a raça?

               — Num tem raça, não. É vira-lata mesmo.

               — Ah, mas nem parece.

               O medo de Altair era não ser lembrado. Logo ele, que se considerava acima de tudo e de todos, como se fosse a própria reencarnação de Dom Pedro I. Até ostentava o mesmo bigode em ferradura, tão fora de moda, mas que fazia com que as pessoas o associassem ao antigo imperador do Brasil. 

               De tão metido à besta, fazia questão de não responder nem mesmo às saudações da simpática Adelaide. Esta, por sua vez, não levava a mal, como se a vida já lhe tivesse ensinado que há todo tipo de gente neste mundo. Quanto aos outros moradores, nem mencionavam mais o nome do homem.

               Aconteceu durante uma viagem para o Nordeste. Altair resolveu entrar no mar e, excelente nadador que se considerava, foi puxado por uma correnteza. Nunca mais foi visto, e ninguém se deu conta do seu sumiço. Último degrau antes do completo esquecimento.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Altair, o esnobe" foi publicado por Notibras no dia 30/7/2025.
  • https://www.notibras.com/site/o-homem-incapaz-de-enxugar-as-lagrimas-que-escorressem-por-faces-conhecidas/

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