Altair Cordeiro, cujo hábito era agir
na surdina que nem lobo, não perdia nem um mísero minuto do seu dia para cuidar
das aflições alheias. Era todo voltado para o seu íntimo, como se nada mais
importasse. Nem mesmo um bom-dia sincero, quando os olhares se cruzam. Meras
formalidades não pareciam interessar o sujeito.
No prédio onde residia, bem ali na
Asa Norte, era vizinho de porta de Adelaide, cuja viuvez havia levado o marido,
mas compensado com uma bela pensão. Não que ela pudesse fazer estripulias com o
dinheiro, até porque os remédios que precisava tomar por causa dos problemas
que surgiam a todo instante por conta da idade faziam questão de torná-la
comedida, o que não quer dizer que fosse mão de vaca.
Comedida, sim, mas apenas em relação
às finanças, pois a velha esbanjava bom humor. E, assim que esbarrava com algum
morador ou funcionário do edifício, abria aquele sorriso sincero.
— Bom dia, seu José!
— Bom dia, dona Adelaide!
— Bom dia, Maria!
— Bom dia, dona Adelaide!
— Mas que cachorrinho mais lindo!
— Oi, dona Adelaide! Este é o Pitoco.
— Bom dia, Pitoco!
— Au, au, au, au!
— Parece que o Pitoco gostou da
senhora, dona Adelaide.
— Ah, ele é muito lindo! Qual é a
raça?
— Num tem raça, não. É vira-lata
mesmo.
— Ah, mas nem parece.
O medo de Altair era não ser
lembrado. Logo ele, que se considerava acima de tudo e de todos, como se fosse
a própria reencarnação de Dom Pedro I. Até ostentava o mesmo bigode em
ferradura, tão fora de moda, mas que fazia com que as pessoas o associassem ao
antigo imperador do Brasil.
De tão metido à besta, fazia questão
de não responder nem mesmo às saudações da simpática Adelaide. Esta, por sua
vez, não levava a mal, como se a vida já lhe tivesse ensinado que há todo tipo
de gente neste mundo. Quanto aos outros moradores, nem mencionavam mais o nome
do homem.
Aconteceu durante uma viagem para o Nordeste. Altair resolveu entrar no mar e, excelente nadador que se considerava, foi puxado por uma correnteza. Nunca mais foi visto, e ninguém se deu conta do seu sumiço. Último degrau antes do completo esquecimento.
- Nota de esclarecimento: O conto "Altair, o esnobe" foi publicado por Notibras no dia 30/7/2025.
- https://www.notibras.com/site/o-homem-incapaz-de-enxugar-as-lagrimas-que-escorressem-por-faces-conhecidas/
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