Não se tem notícia de que algum dia Joaquim Almeida havia se
esquecido de pentear cuidadosamente as madeixas, antes negras, hoje com
generosos tons prateados. Um janota, alguns poucos se atreviam a mencionar,
enquanto a maioria guardava para si tais pensamentos. Talvez não passassem de
invejosos, já que o gajo, desde sempre, atraiu olhares, a maioria, diga-se de
passagem, furtivos, apesar de, não raro, alguns escancarados de moçoilas e
mulheres, fossem jovens, fossem maduras, fossem viúvas, fossem até casadas.
Solteirão convicto após um noivado longo
com a filha de um figurão, Joaquim não escondia seu rancor por conta do trágico
final do quase enlace aos olhos da igreja e, por conseguinte, de Deus. Antes
ninguém soubesse, mas como era de conhecimento público, melhor era mostrar
indignação. Quem sabe, assim, não salvaria o resquício de dignidade? E que a
culpa recaísse sobre a noiva, Maria Lívia.
O que se deu no dia do casório foi o estopim
para uma crise que já se desenrolava desde o ano interior. Maria Lívia, no
entanto, mostrava-se resiliente e, talvez por questões de etiqueta, evitou
imbróglio desnecessário com o então noivo. Afinal, boba que não era, sabia que
a corda tendia a arrebentar do seu lado, já que era a parte feminina do enlace.
Igreja abarrotada, a donzela aguardou por
mais de hora no banco de trás do Landau 1978. Não adiantou, pois nada do
almofadinha aparecer. Mas não porque ele tivesse desistido do compromisso,
ainda mais que o gajo parecia ansioso para, enfim, saborear a tão sonhada noite
de núpcias. O problema era outro.
Diante do imenso espelho do quarto, lá
estava o Joaquim dando os últimos retoques há quase cinco horas. Quando o
sujeito abria a porta para sair, eis que, no segundo seguinte, retornava para
cofiar o bigode, arrumar a lapela, ter certeza de que o vinco da calça estava
de acordo. Era um vaievém sem fim.
Joaquim, enquanto observava se os dentes estavam alvos que nem bumbum de
bebê, se lembrou de dar uma olhadela na hora. Eita! Quase enfartou quando percebeu
que estava mais atrasado do que regras de mulher grávida. Tratou de correr para
a igreja.
Mal chegou, encontrou apenas um pequeno grupo conversando com o padre.
Aproximou-se e, então, foi fuzilado por olhares de todos.
— Que papelão, hein, seu Joaquim Almeida!
— Padre José, desculpe pelo atraso.
— Atraso? Hum! Mas o senhor é mesmo cara de pau!
— Não me furto da culpa, padre José, mas cadê a minha noiva?
— Sua noiva?
— Sim, a Maria Lívia.
— Hum! Pois o senhor, caso queira se casar um dia, vai ter que arranjar
outra noiva.
— Mas, padre José, o senhor acha que ela não vai me perdoar?
— Se vai te perdoar ou não, só Deus sabe. Mas casar na igreja, ela não
vai mais.
— Ué, e por que não casaria?
— Porque, na falta do noivo, ela se casou com outro.
- Nota de esclarecimento: O conto "O janota" foi publicado por Notibras no dia 4/7/2025.
- https://www.notibras.com/site/joaquim-almofadinha-o-rapaz-que-amava-a-ele-mesmo/
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