O enterro foi breve,
e o velho, apesar de, vez ou outra, chamar pela amada, mais por hábito do que
consciência, como se ela pudesse respondê-lo, ia se acostumando com a viuvez. Preparava
seu próprio café e fazia questão de colocar outra xícara, vazia, do lado oposto da mesa. A esposa sempre preferiu leite com pouco de canela e duas gotas de
adoçante.
Cartas. Sim, cartas.
Dessas que as pessoas costumavam escrever e receber, como asas de pombos
trazendo e levando notícias de toda parte. E aconteceu em uma quarta-feira, que
poderia ser uma segunda ou domingo, já que em nada interferiria no dia a dia de
Rubião. Mas foi numa quarta que, por acaso, coincidia com a data de seu
aniversário, que passaria batido, caso não fosse a lembrança da remetente,
Maria Lúcia, amiga de longa data, que continuava morando em Luziânia, cidade
próxima a Brasília.
Além de parabenizar
o amigo, Maria Lúcia comentava sobre os últimos acontecimentos, os filhos, os
netos, a dores nas articulações, as constantes crises de rinite alérgica do
marido. Todavia, o que mais chamou a atenção foi algo bucólico. Sim, coisa de
quem, apesar de viver em cidade, possui quintal nos fundos da casa.
"... E você
acredita que um casal de rolinhas fez um ninho na jabuticabeira daqui de
casa?..."
Rubião sorriu com a
revelação de Maria Lúcia. Ele, que já havia chupado algumas jabuticabas quando
visitou a amiga, pegou caneta e papel e tratou de escrever uma carta. Queria
saber mais sobre aqueles passarinhos, que considerava dos mais simpáticos.
Obviamente que seria mais prático mandar uma mensagem pelo celular, mas,
comovido pela missiva, se sentiu compelido a entrar naquele túnel do
tempo.
A resposta chegou na semana seguinte e,
em vez de trazer conforto, encheu Rubião de receio.
"... Não sei se é o frio, mas quase
não vimos mais as rolinhas. O Silmar imagina que tenham abandonado o ninho ou,
então, algo pior. Quem sabe um gato? Também não temos saído muito e não
queremos chegar muito perto da jabuticabeira para não espantar os pássaros. O
Silmar diz que isso é bobagem, que as rolinhas são ingênuas e não se importam
com a nossa presença. Mas bati o pé e falei pra ele não se aproximar mais.
Eita, meu amigo, mas que a curiosidade tá me matando, ah, isso tá..."
Enquanto tomava café, Rubião pensava em
cada palavra lida. Seriam as rolinhas ingênuas como disse o marido da amiga? É
verdade que, certa vez, ele havia testemunhado um carcará se alimentando de uma
rolinha-fogo-apagou. Será que um desses gaviões teria se atrevido a atacar os
então vizinhos da Maria Lúcia?
Rubião, carregado de anseio por
descobrir o desfecho daquele drama familiar, escreveu nova carta para Maria
Lúcia. A resposta, angustiantemente aguardada, chegou oito dias após.
"... A sua carta chegou e foi o
impulso que faltava para irmos conferir o que teria acontecido com as rolinhas.
O Silmar e eu achávamos que os ovos não iam eclodir mais. No entanto, eis que,
ao nos aproximar da jabuticabeira, vimos a silhueta de um filhotinho no ninho.
Que alegria misturada com alívio!..."
Rubião, coração confortado,
sorveu o café. E, mesmo que tenha deixado o açúcar de lado, percebeu que a
vida, por mais amarga que fosse, às vezes trazia momentos adocicados. Pensou
seriamente em fazer nova visita para Maria Lúcia. Afinal, a família havia
aumentado, e era de bom-tom conhecer quem havia chegado.
- Nota de esclarecimento: O conto "Entre cartas e rolinhas" foi publicado por Notibras no dia 7/7/2025.
- https://www.notibras.com/site/novo-membro-na-familia-faz-rubiao-pensar-em-viajar-do-do-rio-para-luziania/
Nenhum comentário:
Postar um comentário