Nascido na gélida São José dos Ausentes,
no Rio Grande do Sul, o sujeito se mudou para Brasília no natal de 1986, com o
intuito de arrumar posição junto a algum político, além de fugir das nevascas.
Por sorte ou destino, conseguiu emprego logo em abril de 1987, por conta da
recente posse de um deputado federal. E, não tardou, ganhou fama devido
principalmente às animadas festas patrocinadas por lobistas, que, desde que o
Brasil é Brasil, perambulam pela capital.
Apesar de gaúcho, Jorge Frederico sabia
que o ritmo que contagiava os enviados dos bilionários era o samba. Então, nada
de boleros quando o assunto era convencer os parlamentares a votar em algo que iria
beneficiar os verdadeiros patrões, mesmo que a população tivesse que engolir
goela abaixo o azedume das canções de fossa da saudosa Maysa. Como os que estão
por cima da carne seca gostam de dizer de modo irônico: C'est la vie!
Com o aval de quem
tem prerrogativa de mandar, Jorge Frederico logo percebeu que poderia ocupar
outro nicho, que andava desfalcado por causa das prisões ocorridas em virtude
do assassinato de famoso radialista na Asa Sul. Não que o gaúcho tivesse
coragem de matar uma barata, mas conhecia alguns cabras acostumados a puxar o
gatilho.
Entre festejos e
encaminhamento antecipado de almas para o Céu ou o Inferno, Jorge Frederico se
imaginou dono da cidade. Estava longe disso, é verdade, mas andava lado a lado
com os que realmente mandavam. Era tido como mal necessário, pois, capcioso que
era, sabia como ninguém ser malvado quando fosse preciso, ainda mais porque não
rejeitava serviço, por mais espinhoso que fosse.
Trabalho não faltava
para o gajo, que logo ficou com a burra cheia de grana. Tanto assim que passou
a morar em uma bela mansão em um dos pontos mais invejados da capital: o Lago
Sul. Isso mesmo! O Lago Sul, que é considerado a Suíça do Cerrado, repleta de
casas dignas de filmes de Hollywood. E Jorge Frederico não fazia questão de
esconder seu estilo de vida, pois adorava desfilar com seus carrões importados
pelas largas ruas da capital.
Rico, famoso e
respeitado por quem realmente importava, o sujeito parecia alguém acima da lei,
e era mesmo. Amigo de deputados, senadores, juízes, promotores, delegados e até
do governador, tinha trânsito livre em qualquer lugar. Mas eis que, talvez por
um momento de descuido, distração ou displicência, cruzou o olhar com o de
Arlete.
A mulher, que era
bonita, mesmo sem ser esplendorosa, possuía lá seus atrativos. E foi o
suficiente para que Jorge Frederico fosse fisgado e perdesse totalmente o
juízo. Por sorte, foi correspondido e, então, o casal passou a ser visto na
alta-roda. O único entrave é que ela já era comprometida.
Argemiro. Pois era
esse o nome do noivo da agora namorada do Jorge Frederico. Um tipo tão comum,
que era capaz da própria mãe confundi-lo com tantos outros iguais a ele no meio
da multidão que buscava sobreviver no Distrito Federal.
Açougueiro.
Sim, o traído era açougueiro e sabia como ninguém manusear uma faca. E, desde
que soube do caso entre Arlete e o figurão, fez questão de deixar a lâmina
amolada. Sem contar que ensaiou os golpes em frente ao pequeno espelho do
banheiro do seu trabalho.
A intenção era abrir o
bucho do amante da sua noiva. E foi com tal pensamento que Argemiro se esgueirou
atrás de um carro estacionado próximo a um concorrido restaurante na Asa Norte.
onde os pombinhos jantavam. Era questão de tempo para Argemiro, finalmente,
colocar seu plano em prática.
Dizem que pão de
pobre sempre cai com a manteiga para baixo. Pois é, Argemiro parecia não estar
com sorte naquela noite. E não é que, justamente no momento em que a amada
degustava um requintado petit gateau, surgiu uma viatura da polícia
e abordou o aprendiz de assassino?
O açougueiro foi levado
para a delegacia e autuado por porte de arma branca. No entanto, nada além de
contravenção e, por isso mesmo, foi liberado após o registro da ocorrência.
Seja como for, Argemiro, sem o objeto que lhe proporcionaria entrar no rol dos
justiceiros da própria honra, precisou adiar seu intento para outra
oportunidade e, então, pegou um ônibus e foi para casa, já que, na manhã
seguinte, precisaria ir trabalhar.
Enquanto fatiava alguns bifes para dona
Esther, uma simpática freguesa, Argemiro viu sua noiva entrar no açougue. Ele
percebeu que Arlete parecia ter chorado um rio de lágrimas e, quando se viu
livre da cliente, foi tentar descobrir o porquê daquilo.
— O que houve? Por que
você tá assim?
Arlete entregou o jornal que carregava
para o noivo. A manchete dizia que Jorge Frederico Mancini havia levado quatro
tiros à queima-roupa após ter jantado em um restaurante na Asa Norte. Pobre
gaúcho, não resistiu e foi a óbito no local.
Não se sabe exatamente o que aconteceu
naquele instante, mas Argemiro, talvez tomado de sentimento nobre, abraçou, de
forma terna, a adúltera. Dizem que o casório aconteceu no mês seguinte, e que
os dois ainda podem ser vistos andando de mãos dadas pela Ceilândia.
- Nota de esclarecimento: O conto "A vida é assim" foi publicado por Notibras no dia 17/7/2025.
- https://www.notibras.com/site/jorge-frederico-nome-de-requintado-nao-era-flor-que-se-cheire/
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