A história é nova, mas a gíria é das antigas. Aconteceu logo após
o último carnaval, quando o resquício da euforia ainda percorria veias e
artérias dos foliões, especialmente daqueles mais animados. E Luciano,
certamente, parecia um dos mais eufóricos, conforme constava, minuciosamente
anotado, no diário da dona Lidiane, verdadeira Candinha, que não passava pano
nem mesmo nos deslizes dos mais próximos.
Para não perder a dignidade, Luciano tentou, a moderado custo,
manter sob a penumbra os acontecidos nos salões da vida. Não à toa, tratou de
ficar de bico calado, mesmo sabedor de que nem tudo que acontece nesses antros
fica por lá. Afinal, sempre há um incauto linguarudo, provavelmente com
resquício de inveja. Quem sabe, até um rival?
Dona Lidiane, que não se considera
fofoqueira, mas está com os ouvidos em dia, capta com maestria qualquer causo
que, porventura, possa ser repassado de modo generoso. Como a velha gosta de
dizer, quem quer segredo que guarde para si. Desse modo, já que não era dona
daquilo que havia chegado inocentemente ao seu conhecimento, nada mais justo do
que repassá-lo sem culpa ou possíveis remorsos.
— Não tem o Luciano?
— Que Luciano, dona Lidiane?
— Hum! Como se você não soubesse, mulher!
— E eu lá sei?
— O marido da Fátima.
— A Fátima da quitanda?
— E tem outra por acaso, Lucrécia?
— Sei lá!
— Ah, me poupe, né?
Lucrécia e dona Lidiane poderiam prosseguir nessa ladainha
durante toda manhã, caso não fosse segunda-feira, dia de labuta para boa parte
dos moradores do bairro.
— Pois diga logo, dona Lidiane, que tô atrasada pro serviço.
— Então, depois eu conto, mulher.
— Conte logo, que me deixou morta de curiosidade.
Dona Lidiane observou a colega e, com um sorriso de satisfação,
desandou a contar os acontecimentos nos bailes de carnaval. Para finalizar, fez
aquela cara de indignação, como se toda a santidade do mundo estivesse ao redor
do seu ser.
— Uma pouca vergonha!
— É verdade, dona Lidiane. Pobre da Fátima,
não merecia um traste daqueles como marido.
— Hum! Aqueles dois se merecem! Eita, casalzinho
que não vale uma Cibalena!
- Nota de esclarecimento: O conto "O caderninho de dona Lidiane" foi publicado por Notibras no dia 30/4/2025.
- https://www.notibras.com/site/luciano-foi-dar-uma-escapada-na-asa-norte-e-caiu-na-boca-do-povo/
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